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Grupo de Teatro Estrada representa Indaiatuba em livro histórico

Indaiatuba, por Kleber Patricio

Capa do livro. Foto: Comunicação ADAAP.

No último dia 4 de outubro, foi lançado o livro Teatro de grupo em tempos de ressignificação: criações coletivas, sentidos e manifestações cênicas no Estado de São Paulo, fruto de três anos de pesquisa iniciadas em fevereiro de 2021 por uma rede de 50 pesquisadores de todo o estado com foco em retratar história e processos criativos de 335 coletivos em atuação no interior e litoral desde os anos 1940 até dias de hoje.

O Grupo de Teatro Estrada, mais antigo dos grupos em atividade na cidade de Indaiatuba desde sua fundação, em 1996, representa a cidade na publicação, organizada por Ivam Cabral, diretor executivo da SP Escola de Teatro, ao lado de Alexandre Mate, Elen Londero e Marcio Aquiles, que traz um pedaço significativo da história das Artes Cênicas no estado compilada em um volume de quase 900 páginas ricamente ilustradas com exemplos e fotos, trazendo um levantamento inédito e de impacto para pesquisadores e entusiastas do teatro, dando sequência ao volume anterior, “Teatro de grupo na cidade de São Paulo e na Grande São Paulo”, que mapeou a metrópole paulistana e foi contemplado com o Prêmio APCA em 2021.

Para Paloma Dourado, dramaturga, diretora e fundadora do grupo, “É muito importante esse olhar para o trabalho dos grupos que existem, produzem e pesquisam fora da capital, pois fomenta a possibilidade de trocas e união entre os artistas do interior como parte da engrenagem que move a criação artística das artes da cena”. Publicado pelo Selo Lucias, o livro físico pode ser encontrado nas melhores livrarias e a versão digital se encontra disponível para baixar pelo link https://www.spescoladeteatro.org.br/wp-content/uploads/2023/10/TEATRO_DE_GRUPO_2023_compressed.pdf.

(Fonte: Grupo de Teatro Estrada)

Além do esporte: organização Mempodera transforma vida de meninas no âmbito social

Brasil, por Kleber Patricio

Mikaelly em pé, vestindo uniforme na cor preta e auxiliando as alunas. Fotos: Dayse Pacifico.

Um projeto muda vidas. Pessoas alegram vidas. Um propósito transforma vidas – é isso que a Mempodera e equipe fazem na vida de centenas de meninas. A organização possui atuação em Cubatão (SP) e em São Luís (MA) e oferece aulas de wrestling e inglês para meninas e meninos buscando promover a igualdade de gênero por meio do esporte e da educação. Grande parte das jovens atendidas pela iniciativa vivem em situação de vulnerabilidade social.

Para mudar essa realidade, a equipe trabalha arduamente e busca levar informação, educação, esporte e dignidade para essas meninas e suas famílias. Muitas histórias surgem em meio às atividades e conversas informais com as atendidas. Em uma dessas, foi possível conhecer Mikaelly Lima, uma jovem de 20 anos moradora de Cubatão e que, após cinco anos participando do projeto, passou a ser a primeira ex-aluna contratada da organização e hoje atua como monitora.

Caminhos de Mikaelly se cruzaram com a Mempodera em 2017

Para entendermos a jornada da Mikaelly na Mempodera, é preciso voltar lá atrás. “Minha infância foi cheia de brincadeiras. Eu brincava bastante na rua de pega-pega, de futebol com os meninos e também de roubar bandeira. Eu conheci a Mempodera com 14 anos. Um dia o projeto foi ao meu colégio, pensei em participar e acabei gostando”, relembra.

Apesar de ser bem engajada no projeto atualmente, a rotina para participar das atividades nem sempre foi tão fácil, como conta a coordenadora Mayara Amália. “A Mikaelly está no projeto desde o início, quando começamos a atender no colégio que ela estudava, que foi a primeira escola em que nós atuamos. Ela começou como aluna e passou por todas as dificuldades. A turma foi tendo evasão e ela continuou, mesmo tendo que cuidar dos irmãos. Ela ‘levava eles’ para as aulas e a gente revezava, pegava e ficava olhando. Teve uma irmãzinha recém-nascida também, de quem ela tinha a responsabilidade de cuidar”.

A luta ensinada no projeto não é tão tradicional no Brasil e muitas das meninas possuem o primeiro contato com ela quando fazem parte da organização. Esse também é o caso da Mikaelly, que conheceu o wrestling na Mempodera. O esporte é um dos mais antigos e até hoje possui modalidade proibida para mulheres, a Greco-romana. Apesar de ser um esporte de contato, no qual dois atletas têm o objetivo de deixar o adversário com as escápulas no solo, os benefícios para quem o pratica estão na força, desenvolvimento de habilidades pessoais e inteligência para lidar com conflitos e desafios.

“O projeto é minha segunda família. Eles têm um sentimento enorme pela minha família de sangue e por mim, especialmente a Mayara, Aline e a Lídia (fundadora e presidente da Mempodera). Eu sou grata por ter essas três mulheres na minha vida. Elas são muito importantes para mim, são minhas amigas, me dão conselhos e puxam minha orelha se faço algo de errado, mas eu sei que é para o meu bem”, destaca.

A mudança de chave após o projeto

Após alguns anos sendo aluna, surgiu a oportunidade de Mikaelly passar a integrar o time de colaboradores da organização. “Quando abriu a possibilidade de contratar alguém, eu acho que por merecimento, por todo esforço e por todos os motivos que ela teve para desistir e ela continuou, então a gente viu ali uma potência para poder trabalhar conosco. Não ter desistido foi uma coisa que a gente observou muito, mas também a questão de dar oportunidade de mudança e talvez uma possibilidade de mudança para a vida”, explica Mayara.

O começo como monitora das professoras de wrestling foi um período de difícil adaptação. “A Mayara já tinha falado que eu ia ser contratada e ela, Aline e Lídia conversaram comigo. No começo foi bem difícil para mim, porque não gosto de pedir ajuda para ninguém, então eu ficava quieta e na minha. Agora não, está muito diferente, agora se eu não sei de algo, peço ajuda para as meninas”, conta Mikaelly, que agora também auxilia nas demandas das aulas de inglês.

A parceria da jovem com a organização vai além do laço de contratação. Foi lá que Mikaelly começou a entender questões maiores sobre si mesma e sobre a vida, além de poder aprender sobre temas que, talvez, longe da Mempodera, não teria a chance. “As mudanças dela foram muito positivas, principalmente em se expressar. Ela é uma menina que não chega atrasada e é super comprometida. Mesmo com as limitações que teve e tem, ela se esforça para conseguir entregar e tem um lado muito responsável, principalmente de organizar e acompanhar as meninas. Percebo que ela está se tornando mais empoderada”, descreve Mayara.

Mikaelly afirma que o sentimento de ensinar o que um dia já aprendeu é de alegria. “Eu sou o espelho delas, né? Eu já fui aluna do projeto e agora eu tenho que ensinar o que passaram para mim e o que aprendi. A sensação é boa e de alegria imensa, porque nunca imaginei ser uma monitora do projeto em que eu já fui aluna. As meninas me chamam de tia e eu penso que já chamei a minha professora de tia. A sensação de chegar na escola e uma aluna falar: ‘tia, está tudo bem com você?’ não tem preço. Elas tiram um sorriso do rosto quando você não está bem e é uma alegria ser tia dessas meninas”.

Sobre a Mempodera | A Mempodera é uma organização que oferece aulas de wrestling e inglês para meninos e meninas de seis a 17 anos de forma gratuita desde 2017. O projeto busca a igualdade de gênero por meio do esporte, da educação e do fortalecimento de vínculos. Sua atuação é em Cubatão (SP) e São Luís (MA) e mais de 600 jovens já passaram pelo pela organização e tiveram suas vidas transformadas. Para mais informações, acesse https://www.mempodera.com/.

(Fonte: DePropósito Comunicação de Causas)

Sete em cada dez brasileiros que reduzem o consumo de carne são mulheres de alta renda e escolaridade

Brasil, por Kleber Patricio

Chamada de flexitarianismo, dieta que reduz o consumo de carne é trampolim para veganismo e vegetarianimo. Foto: Bulbfish/Pexels.

Mulheres de alta renda e de alta escolaridade que vivem em centros urbanos são a maioria (76%) das pessoas que escolhe diminuir o consumo de carne na sua alimentação. A constatação é de um estudo inédito de pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) publicado no último dia 8 na revista científica “Appetite”.

A investigação teve como objetivo caracterizar o perfil socioeconômico, demográfico e motivações dos chamados flexitarianos, que restringem o consumo de carne. Os pesquisadores analisaram dados coletados por uma pesquisa online com 1029 pessoas que se autodeclararam como flexitarianos. Esse padrão alimentar é caracterizado pelo consumo de carne bovina pelo menos duas vezes por semana e frango até três vezes por semana, sendo complementado por fontes de proteína de origem vegetal e ovos como os principais substitutos da carne.

Mais da metade (56%) das pessoas escolhem uma dieta com baixo consumo de carne por causa de preocupações ambientais e de bem-estar animal. “As preocupações com a degradação ambiental e a forma como os animais são tratados para fins de consumo parecem estar conectadas com o perfil político, de renda e nível educacional destas pessoas”, analisa Carla Djaine, cientista social pesquisadora da UFRN e principal autora do estudo. Em seguida, estão as preocupações com a saúde individual.

O estudo revela que os flexitarianos consultados têm um salário médio relativamente mais alto em comparação à renda média da população brasileira: eles ganham 3,6 vezes mais, ou seja, R$9.050,92, enquanto a renda média é de R$2.533, segundo dados do IBGE.

“Isso mostra que o poder de compra pode não ser o principal motivador da redução do consumo de carne, sendo importante diferenciar flexitarianos daqueles que limitam o consumo por questões financeiras”, afirma Djaine. Entretanto, o aumento de gastos com a alimentação é um fator relevante. A pesquisadora comenta que a dieta flexitariana pode custar até 60% a mais do que dietas convencionais, de acordo com a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO).

A escolha pelo flexitarianismo pode ter uma relação de gênero que precisa ser mais investigada. “É preciso entender os motivos de as mulheres serem uma maioria tão expressiva. Acredito que elas têm uma maior preocupação com o outro, seja em relação ao meio ambiente, aos animais ou à saúde própria e da família”, afirma Djaine.

Outro ponto levantado pela pesquisa é que o flexitarianismo é considerado uma transição para o veganismo e vegetarianismo. Assim, a prática pode servir como trampolim para sistemas alimentares mais sustentáveis. “Mas é preciso que existam políticas públicas e campanhas que incentivem uma alimentação diversa, com o uso de alimentos subutilizados da biodiversidade brasileira, como as plantas alimentícias não convencionais (PANCs), que são ótimos substitutos para a carne animal”, conclui a pesquisadora.

(Fonte: Agência Bori)

“La Traviata” volta ao Theatro Municipal RJ após mais de 20 anos

Rio de Janeiro, por Kleber Patricio

As solistas Michele Menezes, Ludmila Bauerfeldt e Laura Pisani. Foto: Daniel Ebendinger.

Depois de mais de duas décadas ausente, com o Patrocínio Oficial Petrobras, “La Traviata”, de Giuseppe Verdi, está de volta ao palco do Theatro Municipal do Rio de Janeiro. A ópera, baseada em “A Dama das Camélias”, romance e peça teatral de Alexandre Dumas Filho, narra a história de Violetta Valery, famosa cortesã parisiense que se apaixona por um jovem estudante. É uma das óperas mais queridas do público e chega a partir de 17 de novembro, às 19h, para a alegria do público.

Nos principais papéis estão os cantores Ludmilla Bauerfeldt, Laura Pisani e Michele Menezes (Violetta), Matheus Pompeu, Ricardo Gaio e Ivan Jorgensen (Alfredo), Lício Bruno e Vinicius Atique (Germont). As récitas contarão com a participação do Coro e da Orquestra Sinfônica do Theatro Municipal. A concepção e direção cênica são de André Heller-Lopes e a direção musical e regência ficam a cargo do maestro Luiz Fernando Malheiro.

“São 22 anos de espera para recebermos novamente esse grande espetáculo no palco do Municipal. Desde 1974, nenhum brasileiro dirigiu essa ópera e agora temos a oportunidade de receber uma nova versão de André Heller-Lopes. O TMRJ, com o Patrocínio Oficial Petrobras, mais uma vez abre suas portas para que você possa se emocionar junto com a gente”, convida Clara Paulino, presidente da Fundação Teatro Municipal do Rio de Janeiro.

“É uma alegria programar La Traviata, um título tão querido e pedido pelo público e artistas da casa, que ficou tanto tempo fora das temporadas do TMRJ. Com uma equipe de primeiríssima, poderemos oferecer sete apresentações com três elencos distintos. Com Traviata fechamos um ciclo de seis títulos operísticos neste ano – um em concerto e cinco montagens. Que este número cresça bastante em 2024″, complementa o diretor artístico do Theatro Municipal, Eric Herrero.

“Interessa-me o fato de a ópera tratar do universo da alta prostituição e seus conflitos com uma moral religiosa; no entanto, é na cortesã que está o amor, enquanto que a morte vem pelas mãos das imposições de uma sociedade moralista que pretende tomar para si a palavra divina. Ambos os temas permanecem atuais em nosso mundo — e arrisco dizer que assim continuarão por muitos anos futuros, infelizmente. Seja no século XIX ou num futuro distópico, La Traviata mantém-se contemporânea”, ressalta o diretor cênico da ópera, André Heller- Lopes.

Na concepção de Heller, não se trata de um acaso que o título inicialmente previsto por Verdi e Piave para a ópera La Traviata seja “Amore e morte”. Para o diretor cênico, esses dois elementos permeiam toda concepção do espetáculo, enlaçados pelo tema onipresente: o curso inexorável do tempo.

A montagem de La Traviata está cheia de novidades. O cenário, por exemplo, será representado por um espaço dominado por estruturas em ferro fundido, remetendo à influência francesa, muito presente na arquitetura do Rio. Isso é apenas um spoiler do que vai ser apresentado. As récitas acontecerão nos dias 17, 19, 23, 24, 25 e 26.

No dia 23, haverá uma atividade educativa voltada para 260 pessoas, entre refugiados da Cáritas Brasileira, estudantes da UERJ, Faetec e idosos, que serão convidados para assistir à récita.

Antes de cada apresentação, será realizada uma palestra gratuita no Salão Assyrio, com presença de um intérprete de Libras. Lugares especiais para portadores de deficiência física e idosos, rampas de acesso, elevadores e banheiros adaptados. Legendagem e audiodescrição.

Ficha Técnica:

Ludmilla Bauerfeldt, Laura Pisani e Michele Menezes, Matheus Pompeu, Ricardo Gaio e Ivan Jorgensen, Lício Bruno e Vinicius Atique

Cenário: Renato Theobaldo

Figurinos: Marcelo Marques

Iluminação: Gonzalo Córdova

Coreografias: Bruno Fernandes e Mateus Dutra

Concepção e direção cênica: André Heller-Lopes

Direção musical e regência: Luiz Fernando Malheiro

Diretor Artístico do TMRJ: Eric Herrero.

Serviço:

La Traviata, de Giuseppe Verdi

Com Coro e Orquestra Sinfônica do Theatro Municipal do Rio de Janeiro

Datas e horários:

17, 23, 24 e 25/11 – 19h

19 e 26/11 – 17h

Duração: Total de 3h10 com dois intervalos de 20 minutos e uma pequena pausa técnica.

Classificação: 14 anos

Ingressos:

Frisas e Camarotes – R$80,00 (ingresso individual)

Plateia e Balcão Nobre – R$60,00

Balcão Superior – R$40,00

Galeria – R$20,00

Os ingressos podem ser adquiridos através do site theatromunicipal.rj.gov.br ou na bilheteria do Theatro

Patrocinador Oficial: Petrobras. Apoio: Livraria da Travessa, Rádio MEC, Rádio Paradiso Rio FM, Rádio Roquette Pinto – 94.1 FM. Realização Institucional: Fundação Teatro Municipal, Associação dos Amigos do Teatro Municipal

Lei de Incentivo à Cultura

Realização: Ministério da Cultura e Governo Federal, União e Reconstrução.

(Fonte: Assessoria de Imprensa TMRJ)

Acervo do fotógrafo e ativista Januário Garcia (1943–2021), nome central do movimento negro brasileiro, será preservado pelo IMS e pela Unicamp

São Paulo, por Kleber Patricio

Marcha Zumbi está Vivo, Rio de Janeiro, 18 de novembro de 1983, manifestantes na Cinelândia. Crédito: Januário Garcia.

Ao longo de sua trajetória, Januário Garcia (1943–2021) produziu um dos mais importantes registros do ativismo e da cultura negra brasileira no século 20. Unindo o exercício da fotografia com a militância política, documentou marchas e atos organizados pelo movimento negro, além de personalidades centrais, como Lélia González e Abdias Nascimento. Atuou ainda no mercado publicitário, no fotojornalismo e na indústria fonográfica assinando capas de álbuns de músicos como Leci Brandão, Tom Jobim, Belchior e Raul Seixas. Em paralelo aos trabalhos como fotógrafo, ocupou cargos de destaque na militância, como o de diretor do Instituto de Pesquisas das Culturas Negras (IPCN).

Falecido em 2021, Januário completaria 80 anos no dia 16 de novembro. Durante sua vida, construiu um amplo e variado acervo. Esse material será agora preservado e difundido por duas instituições em uma parceria inédita: o Instituto Moreira Salles (IMS), responsável por armazenar a produção fotográfica do artista, e o Arquivo Edgard Leuenroth (AEL) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), a cargo da salvaguarda dos documentos reunidos por Januário em sua atuação no movimento negro.

As duas instituições farão um arranjo arquivístico único do acervo e, futuramente, as fotografias e os documentos digitalizados integrarão as duas bases de dados. Além disso, será formado um conselho consultivo autônomo composto por pessoas que pesquisam a obra de Januário e que conviveram com ele na militância.

O material guardado pelo IMS é composto por cerca de 70 mil fotografias, equipamentos fotográficos e de laboratório e uma biblioteca com publicações focadas em artes visuais e fotografia. Já a coleção presente no AEL inclui documentos referentes ao movimento negro, entre cartazes e folders de eventos, jornais e outros itens, além de textos assinados pelo ativista e uma biblioteca com livros focados na temática étnico-racial. No âmbito da Unicamp, a coleção integra o projeto Afro Memória, que reúne acervos relacionados ao ativismo negro no Brasil e é fruto de uma parceria da universidade com o Afro Cebrap, a linha de pesquisa Hip Hop em Trânsito (CEMI/IFCH/Unicamp) e a Universidade da Pensilvânia (Upenn).

O material possibilita inúmeras frentes de pesquisa, num panorama da trajetória de Januário, cuja obra contribuiu para a criação de novas narrativas, como pontuou o próprio artista em entrevista para a pesquisadora Vilma Neres: “Aconteceu que a minha interação com a militância e com a fotografia se deu dessa forma. E em cima disso eu fui construindo todo um legado, porque eu acredito numa coisa que é o seguinte: as pessoas dizem ‘O brasileiro não tem memória’. E eu cheguei à conclusão seguinte: ‘Não, o Movimento Negro, no meu tempo, vai ter uma memória, e ele está tendo uma memória desde 1975’”.

Mais sobre o fotógrafo

Marcha Zumbi está Vivo, Rio de Janeiro, 18 de novembro de 1983, Av. Rio Branco. Crédito: Januário Garcia.

Januário nasceu em Belo Horizonte em 1943. Aos cinco anos, ficou órfão de pai e, aos 10, de mãe. Ainda pré-adolescente, foi sozinho para o Rio de Janeiro. Em 1963, ingressou no Exército, onde se formou como paraquedista. Com o valor recebido no trabalho, comprou sua primeira câmera fotográfica. A partir do final da década de 1960, frequentou aulas de história da arte no Museu Nacional de Belas Artes (MNBA), estudou na International News Cameramen Association do Rio de Janeiro e no Museu de Arte Moderna do Rio, onde fez o curso de fotografia sob orientação de Georges Racz.

Na década de 1970, passou a colaborar com jornais independentes e, posteriormente, para grandes veículos, como O Globo e Jornal do Brasil. Para manter sua autonomia e posicionamento político, optou por atuar sempre como freelancer. Nesse período ainda, começou a participar de encontros para discutir as questões em torno das relações raciais no Brasil e conheceu nomes centrais do ativismo e pensamento negro, como Beatriz Nascimento e Abdias Nascimento. Cada vez mais engajado nas lutas, tornou-se um dos fundadores do Movimento Negro Unificado (MNU) e do Instituto de Pesquisas das Culturas Negras (IPCN), que viria a presidir posteriormente por 10 anos.

Na dupla condição de fotógrafo e ativista, comparecia a inúmeros atos e eventos, sempre carregando sua câmera e utilizando uma boina de crochê com linhas nas cores verde, vermelho, preto e amarelo – um símbolo de autoafirmação em referência ao movimento do pan-africanismo.

Entre os atos que documentou, estão a Marcha Zumbi Está Vivo, o I Simpósio sobre Racismo e Discriminação Racial, ambos em 1983 no Rio de Janeiro, a Marcha contra a Farsa da Abolição, em 1988, também no Rio, e o I Encontro Nacional de Entidades Negras, em 1991, em São Paulo, além das mobilizações na década de 1980 pelo tombamento da Serra da Barriga, onde ficava o Quilombo dos Palmares. Ao fazer esses registros, Januário sabia da importância das disputas pelas narrativas históricas, como afirmava em entrevistas: “Existe uma história do negro sem o Brasil. O que não existe é uma história do Brasil sem o negro.”

Outra faceta importante de sua carreira é a atuação no campo da indústria fonográfica. O fotógrafo registrou mais de 90 artistas, para quem produziu capas de discos e imagens de turnês. São dele as fotografias de álbuns como “Alucinação” (1976), de Belchior, “Urubu” (1976), de Tom Jobim, “Coisas do meu pessoal” (1977), de Leci Brandão, “Há 10 mil anos atrás” (1976), de Raul Seixas, “Cores, nomes” (1982), de Caetano Veloso, “Das bênçãos que virão com os novos amanhãs” (1985), de Beth Carvalho, e “Martinho da Vila Isabel” (1984), de Martinho da Vila, entre outras.

Januário também colaborou bastante com o mercado publicitário. Em seus trabalhos no meio, atuou para valorizar a imagem de pessoas negras, criticando abertamente peças racistas. Foi um dos responsáveis, inclusive, pela campanha “O negro na publicidade brasileira”, que estimulava a contratação de atores e atrizes negros para comerciais.

Sua atuação tanto como fotógrafo quanto como ativista também fez com que ele viajasse por 27 países, registrando sempre que possível a população negra da diáspora em nações como Colômbia, Uruguai e Venezuela. Também clicou manifestações culturais como o primeiro ensaio do Bloco Afro Olodum, em 1982. Outro importante conjunto, feito como projeto pessoal, é a série de imagens que registra o cotidiano e a religiosidade dos moradores do Morro do Salgueiro, no Rio, na década de 1980.

Morro do Salgueiro (Rio de Janeiro/RJ). Crédito: Januário Garcia.

Ao longo de sua trajetória, Januário foi um importante personagem da história dos movimentos sociais brasileiros, colaborando para a produção de novos imaginários em torno das populações negras e das manifestações culturais do país. Ao preservar seu acervo, as duas instituições agem para reforçar e expandir o legado do ativista.

O coordenador de fotografia do IMS, Sergio Burgi, comenta a importância de difundir a obra do fotógrafo: “A chegada do acervo de Januário Garcia ao IMS estabelece um compromisso da instituição com uma representação mais ampla, mais diversa da fotografia realizada no Brasil. O acervo reúne o trabalho de um fotógrafo de extrema sensibilidade, com uma longa trajetória tanto no campo profissional quanto como militante político. Januário foi uma importante liderança do ativismo negro e, com sua fotografia, contribuiu para documentar a memória do movimento negro e do país.”

Sobre a parceria, Burgi também afirma: “O acervo de Januário transcende o arquivo fotográfico, reunindo uma ampla documentação que é essencial para o Brasil. Por esse motivo, o projeto foi estabelecido no âmbito de uma parceria entre o IMS e o AEL. Essa parceria permitirá que as duas instituições processem os arquivos de forma integrada, com um olhar que vincule os diversos documentos e garanta que nenhum segmento deixe de ser pesquisado. Dessa forma, os processos de luta e vida de Januário poderão ser pesquisados em suas múltiplas dimensões.”

Ainda sobre a importância de estimular a pesquisa e o acesso aos documentos, o diretor do Arquivo Edgard Leuenroth, Mário Medeiros, afirma: “O AEL se orgulha de poder colaborar para preservar a memória de Januário Garcia. Entre julho de 2020 e junho de 2021, dialogamos intensamente com ele, nos momentos mais difíceis da pandemia de Covid, por meio de videochamadas onde construímos ideias e ações sobre a salvaguarda de seu acervo, o sentido público de seu trabalho de memória acerca da população negra brasileira e da diáspora. Seu falecimento inesperado chocou a todos nós. E foi muito importante a partir daí dar sequência ao projeto de Januário em parceria com o IMS e sua família, visando a alcançar o que ele almejava em vida: que a população negra conhecesse e se reconhecesse em sua história de lutas e conquistas. E jamais se esquecesse delas.”

Mais informações sobre eventos relacionados ao acervo realizados pelas duas instituições serão divulgados em breve, além de outros dados e materiais a respeito da coleção.

Mais sobre o fotógrafo:

Januário Garcia: um olhar com 50 anos de fotoescrevivências. Revista ZUM. Por: Vilma Neres Bispo.

Trabalho de Januário Garcia no Programa Convida (programa de incentivo à produção artística lançado pelo IMS na pandemia, no qual Januário foi um dos contemplados)

Página do projeto Afromemória

Site oficial de Januário Garcia

Dissertação: BISPO, Vilma Neres. Trajetórias e olhares não convexos das (foto)escre(vivências): condições de atuação e de (auto)representação de fotógrafas negras e de fotógrafos negros contemporâneos. Rio de Janeiro: Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca, 2016, 158p.

(Fontes: Instituto Moreira Salles e Unicamp)