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Galeria Lume inaugura “Sobre Muros”, individual do fotógrafo Julio Bittencourt

São Paulo, por Kleber Patricio

Fotos: Julio Bittencourt.

Com a queda do Muro de Berlim, marcando de vez o fim da Guerra Fria, pintou-se no mundo a imagem de uma sociedade menos dividida, um só povo – chegavam ao fim as barreiras que nos separavam. Contudo, ao ajustarmos nosso foco de percepção podemos ver que, mais do que nunca, estamos cercados de barreiras, talvez agora mais sociais do que físicas, porém tão robustas quanto o antigo muro de concreto. Na exposição “Sobre Muros”, a ser inaugurada sábado, 21 de outubro, na Galeria Lume, o fotógrafo Julio Bittencourt apresenta obras que abordam as diversas formas que esses muros se constroem no cotidiano. A qualidade tangível de um muro já não é mais sua característica mais marcante. Os muros estão ao nosso redor, em tudo que vemos e vivemos, física ou virtualmente.

As paredes, tanto reais como virtuais ou psíquicas, tentam oferecer o que Heidegger chamou de “uma imagem tranquilizadora do mundo”, no qual todos devem existir segundo um modelo, uma integração sócio-psíquica única. Assim, em várias situações, a exclusão decorre sobretudo dos conflitos de identidade e da violência que eles podem envolver. Os muros explicitam uma realidade do mundo reduzida a uma clara distinção entre “nós” e “os outros “, entre dentro e fora, entre amigo e inimigo. Entre o lado bom e o lado ruim da parede, entre conhecido e desconhecido, entre rico e pobre, entre seguro e arriscado, entre desejado e indesejável. Nesse sentido, a parede marca a assimetria, materializa a diferença e o desequilíbrio produzidos por uma separação muitas vezes desejada e sofrida. Mas seria possível uma sociedade cujos muros de fato deixem de existir? Até mesmo o artista cria algumas paredes ao tentar simplificar o mundo enquadrando-o, como fazemos na fotografia.

Em sua terceira individual na Galeria Lume, mais uma vez colocando em questão temas caros à forma como convivemos em sociedade, Bittencourt expõe – em paredes – os muros incomuns que registra durante sua produção, de pontas de lança usadas nos topos dos portões ou o do muro da virtualidade da imagem, a rostos famosos que ilustram as cédulas do que talvez seja o maior dos muros do mundo em que vivemos: o dinheiro. Ao adentrar as salas da galeria, o visitante percebe o que o que se ignora ou finge desperceber: estamos cercados.

Sobre o artista Julio Bittencourt – São Paulo, 1980 | Vive e trabalha em Paris, França.

Julio Bittencourt nasceu em 1980 no Brasil e cresceu entre São Paulo e Nova York. Seus projetos foram exibidos em galerias e museus de diversos países e seus trabalhos publicados em veículos como Foam Magazine, GEO, TIME, The Wall Street Journal, Courrier International, C Photo, The Guardian, The New Yorker, Esquire, Financial Times, Los Angeles Times e Leica World Magazine, entre muitos outros. É autor de três livros: “Em uma janela do Prédio Prestes Maia 911”, “Ramos” e “Mar Morto”. Atualmente vive e trabalha em Paris.

Sobre a Galeria Lume

A Galeria Lume foi fundada em 2011 com a proposta de fomentar o desenvolvimento de processos criativos contemporâneos ao lado de seus artistas e curadores convidados. Dirigida por Paulo Kassab Jr. e Victoria Zuffo, a Lume se dedica a romper fronteiras entre diferentes disciplinas e linguagens, através de um modelo único e audacioso que reforça o papel de São Paulo como um hub cultural e cidade em franca efervescência criativa.

A galeria representa um seleto grupo de artistas estabelecidos e emergentes, dedicada à introdução da arte em todas as suas mídias, voltados para a audiência nacional e internacional, por meio de um programa de exposições plural e associado a ideias que inspiram e impulsionam a discussão do espírito de época. Foca-se também no diálogo entre a produção de seus artistas e instituições, museus e coleções de relevância. A presença ativa e orgânica da galeria no circuito resulta na difusão de suas propostas entre as mais importantes feiras de arte da atualidade, além de integrar e acompanhar também feiras alternativas. A galeria aposta na produção de publicações de seus artistas e realização de material para pesquisa e registro. Da mesma forma, a Lume se disponibiliza como espaço de reflexão e discussão. Recebe palestras, performances, seminários e apresentações artísticas de natureza diversa.

Serviço:

Sobre Muros

Texto crítico: Paulo Kassab Jr.

Local: Galeria Lume

Abertura: 21 de outubro, sábado, das 11h às 17h

Período expositivo: 21 de outubro de 2023 a 25 de novembro de 2023

Horário de visitação: segunda a sexta, das 10h às 19h; sábados, das 11h às 15h

Endereço: Rua Gumercindo Saraiva, 54 – Jardim Europa, São Paulo – SP

Entrada gratuita

Informações para o público: tel.: 55 (11) 4883-0351

e-mail: contato@galerialume.com

www.instagram.com/galerialume/

www.facebook.com/GaleriaLume

www.galerialume.com/.

(Fonte: Galeria Lume)

Exposição “Estupefaciente” de Shirley Cipullo busca desvendar impactos da Internet na saúde mental da juventude

São Paulo, por Kleber Patricio

Foto: divulgação.

A artista visual Shirley Cipullo apresenta na Casa das Caldeiras, em São Paulo, a exposição “Estupefaciente”. Provocativa e instigante, a mostra é uma imersão no mundo tóxico que a internet pode se tornar quando utilizada de maneira excessiva, especialmente por crianças e adolescentes. A mostra ocorre até 29 de outubro, de quinta a domingo.

Ao explorar os efeitos da era digital em nosso cotidiano, Shirley desvenda os fios intrincados da web trazendo à tona discussões sobre a aceleração do tempo e o distanciamento das relações fora do “mundo real”. A exposição é uma chamada à reflexão sobre os impactos nocivos e muitas vezes inadvertidos que a internet pode ter em nossa saúde mental.

Para criar esta exposição, a artista se aprofundou em estudos, leituras, documentários e palestras, além de consultar instituições médicas, pediátricas e psicanalíticas com o objetivo de trazer à tona as evidências sobre os desafios que a era digital impõe à saúde mental. Como resultado, traz uma coleção de obras utilizando materiais diversos como tinta, tecidos, cordas, barbantes e fios de internet.

Por meio de QR codes, os  visitantes têm a oportunidade de ouvir explicações em forma de áudio gravados pela própria artista sobre as obras expostas. Além disso, a mostra contará com visitas guiadas às quintas e sextas-feiras das 17h às 21h e, aos sábados e domingos, das 15h às 19h. Para participar basta agendar pelo e-mail atelieshirleycipullo@gmail.com.

Exposição Estupefaciente

Data: até 29 de outubro – quinta a domingo

Horário: quintas e sextas-feiras, das 17h às 21h; sábados e domingos, das 15h às 19h

Local: Casa das Caldeiras. Endereço: Av. Francisco Matarazzo, 2000 – Água Branca, São Paulo (SP)

Visitas guiadas:

Quintas e sextas-feiras: 17h às 21h; sábados e domingos: 15h às 19h – Agendar pelo e-mail: atelieshirleycipullo@gmail.com

Para mais informações: (11) 99562-7630 | Instagram | e-mail: atelieshirleycipullo@gmail.com

Sobre Shirley Cipullo | É artista visual, ítalo-hispânica, descendente de imigrantes, com mais de 15 anos de carreira. Nascida no Brasil, teve seu primeiro contato com o fazer artístico em 2004. Desde então, passa a trabalhar com esculturas fazendo uso de diversos materiais como argila, bronze, resina, mármore, pintura em telas e instalações onde ousa experimentar novos materiais como fios, tecidos, redes, colagens e cordas.

(Fonte: Camila Barbosa Comunicação)

Como a seca na Amazônia afeta a segurança alimentar da região

Amazônia, por Kleber Patricio

Seca em outubro de 2023 no Rio Negro, no Amazonas. Foto: Prefeitura de Manaus.

Por Gabriel Costa Borba — Na Amazônia, estima-se que a pesca produza em média 173 mil toneladas de peixe por ano, gerando cerca de 389 milhões de reais. A região é considerada uma das maiores do mundo em consumo de peixe, que varia de 135 a 292 kg per capita ao ano, segundo dados da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO). Esse contexto de pesca abundante está em risco por causa da seca dos rios da região.

A captura de peixe é fortemente dependente das flutuações no nível de água, com períodos de águas baixas e altas que regulam a disponibilidade de alimento e abrigo para os peixes nos rios amazônicos. Esses rios estão em risco devido ao impacto de atividades humanas – ao alterar as flutuações no nível de água e o padrão de chuvas, os eventos climáticos extremos geram drásticas consequências para a pesca.

Além de rios com menos água, temos, no atual contexto, péssimas condições hídricas, como temperatura elevada e falta de oxigênio, o que resulta em uma maior mortalidade natural de peixes. Com menos peixes disponíveis, a própria segurança alimentar de populações locais se vê ameaçada.

O interessante de se observar é que ainda não temos total conhecimento sobre os prejuízos gerados pelos cenários de seca deste mês na pesca da região. A resposta das populações de peixe sob efeito de flutuações no nível de água leva um tempo, ou seja, os impactos da frequência e intensidade de eventos extremos nas últimas décadas só serão mapeados, totalmente, mais para a frente.

As espécies disponíveis para a captura no momento estiveram sob influência das flutuações no nível de água de anos anteriores. Por exemplo, o jaraqui, peixe emblemático da região amazônica que é capturado hoje, levou, em média, dois anos para atingir um tamanho corporal para ser pescado. Se os anos anteriores foram adequados para a espécie, com disponibilidade de alimento e abrigo, esse jaraqui sobreviveu e se desenvolveu, sendo capturado para fins comerciais.

Há, no entanto, uma percepção geral nas comunidades tradicionais indígenas e não indígenas da Amazônia de que houve uma diminuição na captura de espécies e uma redução do tamanho de peixes de interesse comercial nos últimos anos. Para elas, a pesca é fonte de subsistência importante, gerando renda e alimento.

O contexto se torna ainda mais drástico num país que não tem monitoramento oficial de desembarque pesqueiro na Amazônia desde o ano de 2011. O monitoramento tem o objetivo de conhecer quais são as comunidades pesqueiras que utilizam o acesso próximo ao porto para desembarque da sua produção, gerar informações e dados estatísticos sobre o desembarque pesqueiro e gerar análises dos possíveis impactos dos eventos climáticos extremos na pesca. A falta de dados afeta a capacidade de resposta de comunidades e a tomada de decisões políticas para preservar a pesca na região em tempos de eventos climáticos extremos.

Para enfrentar essa situação, é preciso criar planos de manejo da pesca adequados ao contexto de crise climática, unindo conhecimento tradicional e científico sobre a atividade e as flutuações no nível de água. Só assim se poderá minimizar os graves danos às populações locais que comercializam peixes e veem, agora, sua subsistência ameaçada.

Sobre o autor: Gabriel Costa Borba é doutorando em Fish and Wildlife Conservation na Virginia Tech e mestre em Ecologia pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA).

(Fonte: Agência Bori)

Influência da mudança do clima foi maior do que El Niño na onda de calor de setembro, diz estudo

Brasil, por Kleber Patricio

Estudo de atribuição quantificou contribuição do aquecimento global para o episódio que elevou as temperaturas para mais de 40 graus no Brasil. Foto: Shutterstock.

Um estudo publicado no dia 10 de outubro pela iniciativa World Weather Attribution concluiu que a influência da mudança do clima foi muito maior do que o atual fenômeno El Niño para a ocorrência de extremos de temperatura que atingiu a região central do Brasil. A onda de calor registrada em setembro foi a responsável por recordes temperatura para o período dos últimos 63 anos em São Paulo e Cuiabá.

Segundo a análise, assinada por 12 autores, incluindo pesquisadores brasileiros, europeus e norte-americanos, a onda de calor do início da primavera foi ao menos 100 vezes mais provável devido à mudança do clima causada pela ação humana.

“Enquanto muitas pessoas relacionam o El Niño para explicar a onda de calor em partes da América do Sul, esta análise apresenta que a mudança do clima é um dos fatores principais para a intensidade e a magnitude do calor. Nós queremos ser claros: o fenômeno El Niño poderia ter contribuído com algum calor, mas sem a mudança do clima, a intensidade da onda de calor da primavera não seria tão intensa”, afirmou o pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Lincoln Alves.

A onda de calor extremo analisada compreendeu o período de 17 a 26 de setembro, período esse onde uma grande massa de ar quente prevaleceu nas regiões sudeste e centro-norte do país. O pico de calor foi registrado em 25 de setembro, com anomalias de temperatura 7 graus Celsius acima da média para o período, como foi registrado no sul da Bahia, leste de Goiás e Mato Grosso do Sul e norte do Paraná. Além disso, um domo de calor se instalou entre o Paraguai e o meio-este e sudeste do Brasil.

Com ajuda de três bases de dados e de multimodelos climáticos, os pesquisadores analisaram a onda de calor em uma área territorial que abrange, além do Brasil, Paraguai, Bolívia e Argentina. Eles também analisaram os dados sobre temperaturas máximas em São Paulo entre 1961 e 2023 a partir de dados do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet).

Para conseguir atribuir o calor extremo à mudança do clima, os pesquisadores calcularam o período de retorno, mudança na intensidade e razão de probabilidade entre 2023 e um clima com 1.2°C mais frio, ou seja, sem o aquecimento global antropogênico. De acordo com o estudo, todos os três conjuntos de dados mostram um claro aumento na frequência e intensidade de eventos quentes.

Para a análise, os pesquisadores selecionaram o período de retorno de 30 anos. Os dados indicaram que a intensidade ou magnitude de um evento de 10 dias que aconteceu em 2023 teria sido muito menor no passado. Além disso, eles calcularam que o evento de calor foi aproximadamente um evento de 1 em 30 anos no clima de hoje, ou seja, considerando o aquecimento global.

O pesquisador do Instituto Meteorológico Real dos Países Baixos, Izidine Pinto, destacou que não foi calculado o percentual exato de contribuição de cada fenômeno – El Niño e mudança do clima. Contudo, segundo ele, as contribuições do El Niño foram inferiores às da mudança do clima.

Com o aquecimento global, a perspectiva é de que ondas de calor se tornarão ainda mais comuns e com extremos de temperatura cada vez maiores. A temperaturas médias globais de 2°C acima dos níveis pré-industriais, um evento de calor como este será cerca de cinco vezes mais provável e 1,1 a 1,6 °C mais quente do que hoje.

O perigo das ondas de calor

Segundo especialistas, ondas de calor são a principal causa de mortes no mundo associadas a eventos extremos. No verão europeu de 2022, mais de 61 mil pessoas morreram de calor, de acordo com as estimativas do Instituto de Saúde Global de Barcelona divulgadas em julho deste ano.

Os pesquisadores defendem que os impactos humanos podem ser evitáveis por meio da execução de planos de adaptação ao calor extremo, evitando redução da morbidade e mortalidade. A diretora do Cento de Clima da Cruz Vermelha, Julie Arrighi, destacou que muitos locais ainda não dispõem de planos de adaptação, mas que “cidades e governos ao redor do mundo estão tentando desenvolver planos de ação”. Ela citou o plano de ação desenvolvido por Paris, que envolve longo prazo e ações de baixo custo. Entre os exemplos está a possibilidade de fontes de água serem abertas ao público em momentos de calor para que a população possa se refrescar.

Estudos de atribuição

Os estudos de atribuição ainda são poucos no Brasil. A atribuição é quanto um fator contribuiu para a ocorrência de um fenômeno. De acordo com o pesquisador Lincoln Alves, a proposta é analisar o evento extremo logo após o ocorrido e seguindo protocolos muito bem definidos para sensibilizar a sociedade sobre o que está acontecendo.

Fundada em 2015, a iniciativa World Weather Attribution conta com colaboração internacional para analisar e comunicar a possível influência da mudança do clima em eventos climáticos extremos, como tempestades, extremos de precipitação, ondas de calor e secas. Mais de 50 estudos de atribuição já foram realizados pela iniciativa.

(Fonte: Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação – MCTI)

MASP apresenta primeira exposição individual de Melissa Cody na América Latina

São Paulo, por Kleber Patricio

Melissa Cody, Under Cover of Webbed Skies [Sob o manto de céus tramados], 2021. Foto: cortesia da artista e Garth Greenan Gallery, Long Beach, Califórnia e Nova York, Estados Unidos.

O MASP – Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand apresenta, de 20 de outubro de 2023 a 21 de janeiro de 2024, a mostra “Melissa Cody: céus tramados”, que ocupa a galeria localizada no 1º subsolo do museu. Com curadoria de Isabella Rjeille, curadora, MASP, e Ruba Katrib, curadora e diretora de assuntos curatoriais, MoMA PS1, a exposição reúne 26 obras têxteis da artista diné/navajo produzidas a partir de um tradicional tear navajo. Em suas obras, Cody mescla símbolos e padrões históricos da tapeçaria navajo com referências que vão das paisagens de seu território de origem no estado do Arizona, Estados Unidos, ao universo pop do videogame e da música. Em uma vitrine, também serão exibidas ferramentas utilizadas pela artista na confecção de seus trabalhos têxteis, assim como registros de seu processo, ampliando, assim, o conhecimento acerca dessa prática milenar e seus significados dentro da cosmovisão diné. Organizada pelo MASP e MoMA PS1, a exposição será exibida no MoMA PS1 entre 4 de abril e 2 de setembro de 2024. A mostra tem apoio da Terra Foundation for American Art.

Melissa Cody (No Water Mesa, Nação Navajo, Arizona, Estados Unidos, 1983) cresceu entre a reserva indígena Nação Navajo, no estado do Arizona, e o sul da Califórnia, onde vive atualmente. A artista se define como uma “criança dos anos 1980”, tendo crescido tanto sob a influência da cultura navajo quanto do universo pixelado dos primeiros videogames e computadores. Na cosmovisão diné/navajo, a tecelagem é uma tecnologia transmitida às mulheres pela figura sagrada de Na’ashjéii Asdzáá, a Mulher-Aranha, o que as torna centrais para a manutenção de suas comunidades. Herdeira deste conhecimento ancestral, Cody faz parte da quarta geração de artistas de sua família.

Ao longo da história, a tecelagem navajo teve seus símbolos, cores, materiais e técnicas atravessados pelos efeitos das trocas culturais e explorações comerciais, assim como por processos de migrações forçadas. Pelo uso de padrões e cores vibrantes, os trabalhos de Cody são comumente associados ao movimento “Germantown Revival”, que nasceu após o trágico episódio conhecido como a “Longa Caminhada” (1863–1866). Com intuito de expulsar os navajos de seu território, militares queimaram suas casas e destruíram rebanhos, forçando-os a migrar do Arizona ao Novo México para que fossem aprisionados no campo militar de Bosque Redondo, em Fort Sumner, atual Novo México, e obrigados a assimilar à cultura estadunidense. Durante esse processo de migração forçada, as tecelãs criaram estratégias para continuar trabalhando, desfiando cobertores oferecidos por oficiais e incorporando seus fios nas tecelagens.

Melissa Cody – Into the Depths, She Rappel [Para dentro das profundezas, ela faz rapel], 2023. Urdidura em lã, trama, borda de cordões e corantes de anilina [Wool warp, weft, selvedge cords, and aniline dyes], 221 × 131 cm. Coleção [Collection] Família Gochman, Miami, Estados Unidos [United States]. Foto [Photo]: Cortesia da artista [Courtesy the artist] e Garth Greenan Gallery, Nova York [New York].

A incorporação desse tipo de lã comercial produzida em Germantown, Pensilvânia, com cores vibrantes obtidas por meio do tingimento por anilina, abriu novos horizontes de experimentação em meio a uma situação de confinamento. Nesse sentido, essa prática tornou-se fundamental para a sobrevivência e resistência cultural diné/navajo. “A inclusão desse novo elemento foi crucial para a continuidade e inovação de uma tecnologia ancestral, colocando em questão a ficção colonial que insiste em fixar culturas indígenas a uma ideia imutável de ‘tradição’ associada a um passado idílico”, elucida a curadora Isabella Rjeille.

Na tapeçaria navajo, a cor, os padrões, os símbolos e materiais carregam significados com os quais Cody trabalha para tecer novas narrativas diante do tear. Como indica a tradição, cada tapeçaria é concebida diretamente no tear, sem nenhum desenho prévio. Por meio de um habilidoso uso das cores, formas e combinações, Cody cria obras de pequenas, médias e grandes dimensões, desafiando a própria mídia e criando ilusões óticas de tridimensionalidade. Como afirma a curadora Ruba Katrib, “a enorme habilidade necessária para conferir simetria e variação à peça finalizada não pode ser subestimada. A confiança na memória e nas combinações matemáticas é fundamental para essa prática, destacando o fato de que a tecelagem é uma tecnologia que também levou à criação de nossa era digital à qual Cody reage nos temas de sua obra”.

A obra ‘Germantown Sampler’ [Amostra de Germantown, 2011] é exemplar da maneira como a artista pensa o diálogo entre as cores e formas na escrita desse texto. No trabalho, a tradicional forma do diamante serrilhado tem seus tons claros de verde, azul e rosa gradualmente mesclados com cores vibrantes, como o vermelho, o laranja e o marrom (uma referência ao uso das cores vibrantes da lã de Germantown na história Navajo, bem como uma alusão ao papel da criatividade na resistência ao apagamento colonial). Há também uma invasão de linhas pretas e cinza, que criam um efeito glitch sobre o padrão ancestral e acrescentando mais uma camada a essa história: a influência do universo digital na produção têxtil de Cody.

Já na obra ‘Navajo Transcendent’ [Navajo transcendente, 2014], a artista traz outro aspecto de sua cultura para reflexão, propondo uma ruptura com as formas coloniais de leitura da produção diné/navajo ao resgatar o whirling log [tronco que gira], um símbolo diné milenar e sagrado associado à cura, à criação do povo e a sua relação com o espiritual que, após a Segunda Guerra Mundial, passou a ser erroneamente confundido com uma suástica, desaparecendo das tapeçarias navajo comercializadas nos Estados Unidos como um meio de evitar qualquer associação equivocada com a Alemanha nazista. Rjeille explica que “nessa peça, um símbolo comumente representado por um desenho plano ganha volume, como que rompendo com a bidimensionalidade da própria mídia e saltando em direção ao espectador”.

Melissa Cody – Path of the Snake [Caminho da cobra], 2013. Camada tripla de lã tingida com anilina [Three-ply aniline dyed wool], 89 × 60 cm. Coleção [Collection] Suzanne e Walter G. Riedel III, Orange, Texas, Estados Unidos [United States]. Foto [Photo]: Cortesia da artista [Courtesy the artist] e Garth Greenan Gallery, Nova York [New York].

Cody também é conhecida por suas tecelagens de grandes proporções, como a monumental ‘The Three Rivers’ [Os três rios, 2021], produzida durante a pandemia da Covid-19 e dividida em quatro partes. Nessa obra, a artista traduz a experiência vivida por ela durante esse episódio de nossa história recente. Já na obra ‘Into the Depths, She Rappels’ [Para dentro das profundezas, ela faz rapel, 2023], Cody traz uma referência à história da Mulher-Aranha, com vibrantes cores que remetem ao arco-íris.

O título da exposição – Céus tramados – se inspira no trabalho intitulado ‘Under Cover of Webbed Skies’ [Sob o manto de céus tramados, 2021], uma obra que conjuga a relação entre a história da tecelagem, seu território ancestral e a transmissão dos conhecimentos da Mulher-Aranha entre gerações. A obra pode ser dividida em dois planos, como uma paisagem: o céu, representado pelos tons de azul e verde na parte superior, e a terra, representada pelas formas triangulares em roxo, rosa e laranja que se assemelham a uma montanha. No centro da obra, há um quadrado com três formas que lembram ampulhetas, símbolo que representa a Mulher-Aranha e que, ao ser reproduzido como um padrão geométrico, remete à trama acinzentada de uma teia que enreda o céu nessa obra. As três ampulhetas no centro fazem referência a Cody e à geração de tecelãs que virão depois dela, como suas filhas ou filhos e possíveis netas e netos. A artista posiciona as ampulhetas no topo das formas triangulares, que, por sua vez, simbolizam uma das montanhas sagradas do território ancestral de Cody. A Mulher-Aranha habita o cume dessa montanha, reforçando o vínculo entre a prática artística e o território, bem como a importância de reconhecê-lo e respeitá-lo como terra indígena.

“‘Céus tramados’ foi o título escolhido, portanto, para a primeira exposição de Cody na América Latina, pois o céu é um elemento comum a todos os territórios, que ultrapassa fronteiras geográficas e políticas. Como um grande manto azul que paira sobre todos os seres que vivem abaixo dele, os céus tramados de Cody se estenderiam para além de Dinetáh, a terra ancestral do povo diné/navajo, conectando em sua trama diferentes possibilidades de narrativas e modos de viver, entrelaçando cosmologias, territórios e sujeitos na criação, preservação e reivindicação de memórias e histórias, fazeres e saberes”, pontua Isabella Rjeille.

Em diálogo com a missão de ser um museu diverso, inclusivo e plural, a mostra é acompanhada de ações de acessibilidade. São elas: um caderno de textos e legendas com fonte ampliada e cinco faixas de conteúdo audiovisual acessível, em desenho universal – audiodescrição, interpretação em libras e legendagem. O conteúdo pode ser acessado por meio de QR Code, estando a faixa introdutória também disponível na exposição, em tela e fone de ouvido fixados ao lado do texto de parede.

‘Melissa Cody: céus tramados’ integra a programação anual do MASP dedicada às Histórias indígenas. Este ano a programação também inclui mostras de Carmézia Emiliano, MAHKU, Paul Gauguin, Sheroanawe Hakihiiwe, além do comodato MASP Landmann de cerâmicas e metais pré-colombianos e a grande coletiva Histórias indígenas.

Sobre Melissa Cody | Melissa Cody é uma artista têxtil navajo/diné nascida em 1983 em No Water Mesa, Nação Navajo, no Arizona, Estados Unidos. Atualmente vive e trabalha em Long Beach, Califórnia. O trabalho da artista integrou exposições coletivas em diversos museus e galerias, como Stark Museum of Art (2014, Orange, Texas); Museum of Contemporary Native Arts, Institute of American Indian Arts (2017–2018, Santa Fe); Ingham Chapman Gallery, University of New Mexico (2018, Albuquerque); Navajo Nation Museum (2018, Window Rock); SITE (2018–2019, Santa Fe); MASS Gallery (2019, Austin); Heard Museum (2019, Phoenix); Exploratorium (2019, São Francisco); Museum of Northern Arizona (2019, Flagstaff); Rebecca Camacho Presents (2019, São Francisco); National Gallery of Canada (2019–2020, Ottawa); Heard Museum (2019–2022, Phoenix); Crystal Bridges Museum of American Art (2021, Bentonville) e Barnes Foundation (2022, Philadelphia). Em 2017, a artista realizou a exposição individual ‘Future Tradition: Melissa Cody’, no Houston Center for Contemporary Craft, em Houston. Seu trabalho faz parte da coleção dos museus Minneapolis Institute of Arts e Stark Museum of Art.

Catálogo | Acompanhando a exposição, será publicado um catálogo com volumes em português e inglês com a reprodução de obras da artista e ensaios inéditos de Isabella Rjeille, Ruba Katrib, Jennifer Denetdale e Ann Lane Hedlund. O livro, com edições em capa dura, é organizado por Isabella Rjeille e tem design do Estúdio Margem.

Serviço:

Melissa Cody: Céus tramados é organizada pelo MASP e pelo MoMA PS1. A exposição tem curadoria de Isabella Rjeille, curadora, MASP e Ruba Katrib, curadora e diretora de assuntos curatoriais, MoMA PS1

1º subsolo (galeria)

20/10/2023 — 21/1/2024

MASP — Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand

Avenida Paulista, 1578 – Bela Vista – São Paulo, SP

Telefone: (11) 3149-5959

Horários: terça grátis Bradesco, das 10h às 20h (entrada até as 19h); quarta a domingo, das 10h às 18h (entrada até as 17h); fechado às segundas

Agendamento on-line obrigatório pelo link masp.org.br

Ingressos: R$60 (entrada); R$30 (meia-entrada).

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(Fonte: Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand)