
No Brasil, 70,9% das pessoas pretas relataram mais de uma razão para se sentirem discriminadas. Foto: FreePik.
Pela primeira vez, uma pesquisa nacional mediu como brasileiros percebem e vivem a discriminação no dia a dia, e os resultados revelam uma desigualdade profunda: a cor da pele é o principal fator de discriminação no país. O estudo aplicou a Escala de Discriminação Cotidiana e mostrou que 84% das pessoas pretas entrevistadas afirmam já ter sofrido discriminação racial. Entre as mulheres pretas, o índice de experiências discriminatórias múltiplas chega a 72%. Os dados são do programa Mais Dados Mais Saúde, realizado por Vital Strategies e Umane, com parceria técnica da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), apoio do Instituto Devive e colaboração do Ministério da Igualdade Racial.
O levantamento ouviu 2.458 pessoas de todas as regiões do país, entre agosto e setembro de 2024, utilizando metodologia online com ponderação estatística baseada no Censo 2022 e na Pesquisa Nacional de Saúde de 2019. Os entrevistados avaliaram, por exemplo, se são tratados com menos respeito ou gentileza, se recebem atendimento pior ou são vistos como desonestos. As respostas mostram uma diferença marcante conforme a cor da pele: 57% das pessoas pretas afirmam receber atendimento pior, contra 28,6% dos pardos e 7,7% dos brancos. Situações como ser seguido em lojas, ser alvo de insultos ou ser tratado como inferior também foram muito mais frequentes entre pessoas pretas e pardas.
A discriminação é frequentemente atribuída a mais de uma razão — como raça, renda, aparência física ou origem. A intersecção entre essas causas torna a experiência ainda mais complexa para grupos como as mulheres pretas, as mais afetadas. Segundo Janaína Calu, consultora em equidade racial e saúde da Vital Strategies, “é fundamental que também seja considerado o fato de que os indivíduos frequentemente ocupam mais de uma posição socialmente desfavorecida e que essas podem interagir para moldar suas experiências”. A abordagem da interseccionalidade, nesse contexto, é considerada essencial para compreender o impacto cumulativo da discriminação.
Os resultados mostram ainda que 70,9% das pessoas pretas atribuem duas ou mais razões às situações discriminatórias vividas. A sobreposição entre raça e outros fatores, como gênero, aparência ou classe social, contribui para experiências mais frequentes e severas. Para Layla Pedreira Carvalho, diretora de Políticas de Ações Afirmativas do Ministério da Igualdade Racial, os dados mostram que “não há solução única para enfrentar o racismo institucional” e que “a pesquisa evidencia a importância de fortalecer o monitoramento de práticas discriminatórias em diferentes dimensões da sociedade”.
O impacto da discriminação na saúde pública também é central na análise. Estudos anteriores já relacionavam experiências discriminatórias com impactos negativos na saúde mental e física. Para Pedro de Paula, diretor-executivo da Vital Strategies, o SUS pode ter papel estratégico na mitigação dessas desigualdades: “Gerar evidências sobre a discriminação significa incorporar mais dados a serem considerados ao avaliar a dimensão dos determinantes sociais e do racismo na saúde e informar políticas públicas que visam o combate das desigualdades”.
Segundo Thais Junqueira, superintendente-geral da Umane, a nova fase do estudo reforça o compromisso do programa com temas urgentes da saúde pública. “Nosso objetivo é que as informações coletadas sirvam de subsídios para o debate público e para a construção e atualização de políticas públicas que promovam maior equidade no acesso a direitos pela população”, afirma.
(Fonte: Agência Bori)