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Limite de captura para lagosta modifica rumos e sinaliza novo tempo para a pescaria

Brasília, por Kleber Patricio

Embarcação a vela sai para a safra da lagosta de 2024 na Praia Redonda (CE). Foto: Oceana/Guilherme Azevedo.

O início da safra da lagosta de 2024, que acontece em 1º de maio, marca um novo horizonte para essa pescaria. O Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA) publicou no dia 30/4 a Portaria Interministerial MPA/MMA Nº 11/2024, que estabelece o limite de captura de 6.192 toneladas para a lagosta vermelha (Panulirus argus) e a lagosta verde (Panulirus laevicauda). A medida simboliza uma conquista vinda da união e do consenso entre pescadores e pescadoras, a comunidade científica e a indústria que processa e que exporta.

“A Oceana vem, há anos, promovendo esse debate e o diálogo dentro do setor desenvolvendo estudos sobre a cadeia produtiva da lagosta e avaliações de estoque. Essa trajetória, até a decisão do governo, passou por uma escuta atenta sobre os desafios das comunidades pesqueiras tradicionais e da indústria. Por isso essa é uma vitória tão marcante dentro do contexto da política pesqueira nacional, que requer uma ampla revisão”, avalia o diretor-geral da Oceana, o oceanólogo Ademilson Zamboni. “Esse é um primeiro passo para garantir à pesca da lagosta um futuro promissor. É fundamental que esse limite de captura seja respeitado, bem monitorado e que medidas complementares para recuperar o estoque sejam debatidas e gradualmente incorporadas nas próximas safras”, completa o diretor-científico da Oceana, o oceanógrafo Martin Dias.

A medida impacta direta e positivamente a população de lagostas, que apresentou uma redução de mais de 80% desde a década de 1950, com o início histórico da pescaria nos estados de Pernambuco e do Ceará. Estima-se que, em 2015, o estoque pesqueiro já estava abaixo de 18% de sua biomassa antes da pesca. Esse patamar extremamente baixo representa risco iminente de colapso para uma pescaria tão valiosa, que alcançou, em 2022, uma receita em exportações que chegou à casa dos R$400 milhões e que envolve cerca de 4 mil embarcações e mais de 15 mil famílias de pescadores e pescadoras. “Essa vitória é de um movimento que uniu vozes de diversos componentes da cadeia produtiva em busca da única saída possível: o estabelecimento de um limite de captura capaz de, em médio prazo, recuperar a biomassa do estoque pesqueiro. É sobretudo uma quebra de paradigma, onde produtores, gestores públicos, academia e sociedade civil vão passar a acompanhar as safras não apenas por meio do calendário dos defesos, mas também pelos volumes que foram produzidos. Controlar os volumes de produção é o mais importante para manter as pescarias sustentáveis e a adoção de um limite anual de pesca é um enorme passo neste sentido”, prevê Martin Dias.

Luta do setor pesqueiro

Pescadores e pescadoras artesanais aguardavam, com ansiedade, o novo ordenamento para a pesca da lagosta. Representante da Comissão Nacional de Fortalecimento das Reservas Extrativistas e Povos Tradicionais Extrativistas Costeiros e Marinhos (Confrem), José Alberto de Lima Ribeiro, conhecido como ‘Beto Pescador’, captura lagostas em embarcação a vela, na Praia do Canto Verde, em Beberibe (CE). Ele acredita que, agora, haverá garantia de sustentabilidade para a pescaria. “Desde 2018, estamos discutindo essa adoção com ampla participação de pescadores e suas representações. Agora, acredito que essa experiência, ao ser colocada em prática, vai obter grande sucesso.”

Presidente do Coletivo Nacional da Pesca e da Aquicultura (Conepe), o oceanólogo Cadu Villaça defende que os limites de captura são formas para recuperar a biomassa da lagosta vermelha e da lagosta verde, espécies consideradas por ele de grande resiliência. “É um caminho que precisa ser absorvido. Recursos pesqueiros têm limites de sustentabilidade e as cotas, amplamente utilizadas em gestão ao redor do globo, são uma forma inteligente de equilibrar a capacidade de produção de determinado estoque com a quantidade explorada”, explica.

Norma avançada

Além do limite de captura, a norma avança ao criar novas regras para o controle do volume pescado. Agora, a medição se dará na ponta da pescaria: a indústria deve reportar, no prazo de até três dias úteis e por meio de formulário eletrônico, dados como o Registro Geral de Pesca (RGP) da embarcação, número de lote e data de recebimento. Quando for atingido o ‘gatilho’ de 95% do volume estabelecido pelo limite de captura, as embarcações terão 15 dias, após a publicação do ato de encerramento no Diário Oficial da União, para retornarem do cruzeiro de pesca e fazer o último desembarque.

As lagostas deverão chegar em terra vivas ou até 30% do peso de cauda. Ficam mantidos os tamanhos mínimos de 13cm de cauda ou 7,5cm de cefalotórax para a lagosta vermelha e 11cm de cauda ou 6,5cm de cefalotórax para a lagosta verde. Durante os três últimos meses do período de defeso (de 1º de fevereiro a 30 de abril), ficam proibidos o transporte, o processamento e a comercialização das lagostas para o mercado nacional, sendo permitido nesse período somente o armazenamento do estoque remanescente e a comercialização de lagostas destinas à exportação, mediante Declaração de Estoque Remanescente.

Vitória unânime no CPG

A construção da proposta se deu por unanimidade dentro do Comitê de Gestão Permanente (CPG) da Lagosta, espaço consultivo que reúne representantes do governo, do setor pesqueiro e da sociedade civil, assessorados por Grupos Técnico Científicos compostos por pesquisadores e pessoas de notório saber. Além dos relatórios científicos da Oceana, o CPG também foi subsidiado por outros estudos avaliados pelo Grupo Técnico Científico.

“O CPG é um espaço qualificado de debate no qual a sociedade emite recomendações para o governo. No caso da lagosta, houve um embasamento de duas décadas de pesquisa e de geração de conhecimento. O Grupo Técnico Científico trouxe informações mais atualizadas sobre os potenciais de captura sustentáveis e a plenária acatou a proposta técnica. A unanimidade do CPG indica que não podemos esperar mais e, agora, temos uma chance concreta de evitar que a espécie desapareça do nosso litoral”, argumenta Martin Dias.

Linha do Tempo

2019

Oceana realiza seminários e lança a publicação ‘Debate sobre a implementação de cotas para a pesca da lagosta: entenda a proposta que pode mudar a pesca da iguaria no Brasil’. Promove encontros com lideranças de pescadores da Bahia, Espírito Santo, Rio Grande do Norte, Ceará, Pernambuco, Paraíba e Alagoas. Como resultado, pescadores e pescadoras artesanais recomendaram a adoção de um limite anual máximo de captura para a pesca da lagosta como ação de curto prazo.

2020

Oceana lança estudo ‘Avaliação de estoque da lagosta-vermelha (Panulirus argus): análise sequencial de populações e dinâmica de biomassa’.

2021

Subsidiada pela ciência e pela articulação com os setores pesqueiros, Oceana segue campanha para adoção de limites de captura para a lagosta.

2022

Lançado o estudo ‘A Oceana e você: Juntos pela recuperação da população de lagosta na costa do Brasil’.

2023

Oceana mobiliza pescadores e sociedade civil para que governo federal adote limite de captura para a pesca da lagosta. Após pressão da Oceana e do setor pesqueiro, os limites de captura para a lagosta são aprovados em reunião do Comitê Permanente de Gestão, em Fortaleza (CE).

2024

Oceana segue a mobilização pela adoção do limite de captura, que são aprovados por unanimidade na reunião do CPG da Lagosta, em Natal (RN). A norma finalmente é publicada antes do começo da safra.

(Fonte: Oceana)