
Transformações como a construção de portos e estradas se intensificaram a partir dos anos 1940. Foto: Divulgação.
Um artigo publicado na sexta (6) na revista Acta Amazonica mostra que o modelo atual de desenvolvimento da Amazônia, centrado na extração de recursos naturais e implementação de grandes projetos – como barragens, estradas ou mineração – intensifica desigualdades sociais, destruição ambiental e conflitos territoriais. Esses projetos ainda trazem impactos duradouros para os ecossistemas e as comunidades locais, com efeitos agravados por mudanças climáticas e políticas permissivas.
Conduzido por cientistas de instituições como Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), Universidade Federal do Pará (UFPA) e Universidade da Califórnia (EUA), o artigo baseia-se em literatura acadêmica, relatórios técnicos e dados institucionais para apresentar os principais marcos históricos e políticos da Amazônia desde os anos 1940, considerando as políticas de desenvolvimento de cada época. Parte do conteúdo também foi derivado de levantamentos do Painel Científico para a Amazônia (SPA, na sigla em inglês), composto por 200 pesquisadores de diversos países.
A partir de políticas estatais voltadas à integração territorial e à modernização urbana-industrial, a Amazônia passou a abrigar grandes empreendimentos, como portos e estradas, que favoreceram interesses externos e desconsideraram a diversidade social e ecológica local. Nos anos 1990, com o avanço do neoliberalismo, observou-se o fortalecimento de mercados ilegais como grilagem, garimpo e tráfico de madeira e drogas.
O estudo revela que, diante dessas pressões, as populações locais têm buscado formas de resistência. Sobretudo na década de 80 e 90, movimentos indígenas se articularam com universidades, ONGs, ambientalistas e movimentos internacionais para garantir maior participação na formulação de constituições que contemplassem seus povos e que tivessem ficado de fora da Constituição de 1988. Dentre os resultados dessa luta, destaca-se o reconhecimento de territórios indígenas, quilombolas e de populações tradicionais e maior participação em fóruns de governança ambiental.
Segundo Philip Fearnside, pesquisador do INPA e um dos autores do artigo, o trabalho ajuda a romper com a visão simplista de que a Amazônia é um “vazio demográfico”. O bioma é descrito como um espaço complexo, feito de redes sociais, econômicas e culturais que foi moldado ativamente por seus habitantes – como ribeirinhos, quilombolas, indígenas e migrantes.
O pesquisador explica que, hoje, a maior parte da população da Amazônia vive em cidades. Mas apesar desses grandes centros urbanos, existe ao mesmo tempo uma ligação forte com a população que está na área rural, inclusive com migração de população”, explica. “Essa ligação muitas vezes se dá no âmbito familiar, com mulheres e crianças na cidade para terem acesso a escola e saúde e os homens no campo. Há também aumento de ligações comerciais, com transporte de produtos do campo de cada vez mais longe para os mercados urbanos”, completa.
A pesquisa propõe que as experiências locais sejam valorizadas na formulação de políticas públicas. Os autores defendem alternativas que conciliem justiça ambiental e conservação, com base em saberes tradicionais e participação ativa das comunidades. A expectativa é de que o trabalho ajude a repensar o modelo vigente de desenvolvimento, evitando que a Amazônia atinja pontos de não retorno ecológico e social.