
Melissa Cody, Under Cover of Webbed Skies [Sob o manto de céus tramados], 2021. Foto: cortesia da artista e Garth Greenan Gallery, Long Beach, Califórnia e Nova York, Estados Unidos.
Melissa Cody (No Water Mesa, Nação Navajo, Arizona, Estados Unidos, 1983) cresceu entre a reserva indígena Nação Navajo, no estado do Arizona, e o sul da Califórnia, onde vive atualmente. A artista se define como uma “criança dos anos 1980”, tendo crescido tanto sob a influência da cultura navajo quanto do universo pixelado dos primeiros videogames e computadores. Na cosmovisão diné/navajo, a tecelagem é uma tecnologia transmitida às mulheres pela figura sagrada de Na’ashjéii Asdzáá, a Mulher-Aranha, o que as torna centrais para a manutenção de suas comunidades. Herdeira deste conhecimento ancestral, Cody faz parte da quarta geração de artistas de sua família.
Ao longo da história, a tecelagem navajo teve seus símbolos, cores, materiais e técnicas atravessados pelos efeitos das trocas culturais e explorações comerciais, assim como por processos de migrações forçadas. Pelo uso de padrões e cores vibrantes, os trabalhos de Cody são comumente associados ao movimento “Germantown Revival”, que nasceu após o trágico episódio conhecido como a “Longa Caminhada” (1863–1866). Com intuito de expulsar os navajos de seu território, militares queimaram suas casas e destruíram rebanhos, forçando-os a migrar do Arizona ao Novo México para que fossem aprisionados no campo militar de Bosque Redondo, em Fort Sumner, atual Novo México, e obrigados a assimilar à cultura estadunidense. Durante esse processo de migração forçada, as tecelãs criaram estratégias para continuar trabalhando, desfiando cobertores oferecidos por oficiais e incorporando seus fios nas tecelagens.

Melissa Cody – Into the Depths, She Rappel [Para dentro das profundezas, ela faz rapel], 2023. Urdidura em lã, trama, borda de cordões e corantes de anilina [Wool warp, weft, selvedge cords, and aniline dyes], 221 × 131 cm. Coleção [Collection] Família Gochman, Miami, Estados Unidos [United States]. Foto [Photo]: Cortesia da artista [Courtesy the artist] e Garth Greenan Gallery, Nova York [New York].
Na tapeçaria navajo, a cor, os padrões, os símbolos e materiais carregam significados com os quais Cody trabalha para tecer novas narrativas diante do tear. Como indica a tradição, cada tapeçaria é concebida diretamente no tear, sem nenhum desenho prévio. Por meio de um habilidoso uso das cores, formas e combinações, Cody cria obras de pequenas, médias e grandes dimensões, desafiando a própria mídia e criando ilusões óticas de tridimensionalidade. Como afirma a curadora Ruba Katrib, “a enorme habilidade necessária para conferir simetria e variação à peça finalizada não pode ser subestimada. A confiança na memória e nas combinações matemáticas é fundamental para essa prática, destacando o fato de que a tecelagem é uma tecnologia que também levou à criação de nossa era digital à qual Cody reage nos temas de sua obra”.
A obra ‘Germantown Sampler’ [Amostra de Germantown, 2011] é exemplar da maneira como a artista pensa o diálogo entre as cores e formas na escrita desse texto. No trabalho, a tradicional forma do diamante serrilhado tem seus tons claros de verde, azul e rosa gradualmente mesclados com cores vibrantes, como o vermelho, o laranja e o marrom (uma referência ao uso das cores vibrantes da lã de Germantown na história Navajo, bem como uma alusão ao papel da criatividade na resistência ao apagamento colonial). Há também uma invasão de linhas pretas e cinza, que criam um efeito glitch sobre o padrão ancestral e acrescentando mais uma camada a essa história: a influência do universo digital na produção têxtil de Cody.
Já na obra ‘Navajo Transcendent’ [Navajo transcendente, 2014], a artista traz outro aspecto de sua cultura para reflexão, propondo uma ruptura com as formas coloniais de leitura da produção diné/navajo ao resgatar o whirling log [tronco que gira], um símbolo diné milenar e sagrado associado à cura, à criação do povo e a sua relação com o espiritual que, após a Segunda Guerra Mundial, passou a ser erroneamente confundido com uma suástica, desaparecendo das tapeçarias navajo comercializadas nos Estados Unidos como um meio de evitar qualquer associação equivocada com a Alemanha nazista. Rjeille explica que “nessa peça, um símbolo comumente representado por um desenho plano ganha volume, como que rompendo com a bidimensionalidade da própria mídia e saltando em direção ao espectador”.

Melissa Cody – Path of the Snake [Caminho da cobra], 2013. Camada tripla de lã tingida com anilina [Three-ply aniline dyed wool], 89 × 60 cm. Coleção [Collection] Suzanne e Walter G. Riedel III, Orange, Texas, Estados Unidos [United States]. Foto [Photo]: Cortesia da artista [Courtesy the artist] e Garth Greenan Gallery, Nova York [New York].
O título da exposição – Céus tramados – se inspira no trabalho intitulado ‘Under Cover of Webbed Skies’ [Sob o manto de céus tramados, 2021], uma obra que conjuga a relação entre a história da tecelagem, seu território ancestral e a transmissão dos conhecimentos da Mulher-Aranha entre gerações. A obra pode ser dividida em dois planos, como uma paisagem: o céu, representado pelos tons de azul e verde na parte superior, e a terra, representada pelas formas triangulares em roxo, rosa e laranja que se assemelham a uma montanha. No centro da obra, há um quadrado com três formas que lembram ampulhetas, símbolo que representa a Mulher-Aranha e que, ao ser reproduzido como um padrão geométrico, remete à trama acinzentada de uma teia que enreda o céu nessa obra. As três ampulhetas no centro fazem referência a Cody e à geração de tecelãs que virão depois dela, como suas filhas ou filhos e possíveis netas e netos. A artista posiciona as ampulhetas no topo das formas triangulares, que, por sua vez, simbolizam uma das montanhas sagradas do território ancestral de Cody. A Mulher-Aranha habita o cume dessa montanha, reforçando o vínculo entre a prática artística e o território, bem como a importância de reconhecê-lo e respeitá-lo como terra indígena.
“‘Céus tramados’ foi o título escolhido, portanto, para a primeira exposição de Cody na América Latina, pois o céu é um elemento comum a todos os territórios, que ultrapassa fronteiras geográficas e políticas. Como um grande manto azul que paira sobre todos os seres que vivem abaixo dele, os céus tramados de Cody se estenderiam para além de Dinetáh, a terra ancestral do povo diné/navajo, conectando em sua trama diferentes possibilidades de narrativas e modos de viver, entrelaçando cosmologias, territórios e sujeitos na criação, preservação e reivindicação de memórias e histórias, fazeres e saberes”, pontua Isabella Rjeille.
Em diálogo com a missão de ser um museu diverso, inclusivo e plural, a mostra é acompanhada de ações de acessibilidade. São elas: um caderno de textos e legendas com fonte ampliada e cinco faixas de conteúdo audiovisual acessível, em desenho universal – audiodescrição, interpretação em libras e legendagem. O conteúdo pode ser acessado por meio de QR Code, estando a faixa introdutória também disponível na exposição, em tela e fone de ouvido fixados ao lado do texto de parede.
‘Melissa Cody: céus tramados’ integra a programação anual do MASP dedicada às Histórias indígenas. Este ano a programação também inclui mostras de Carmézia Emiliano, MAHKU, Paul Gauguin, Sheroanawe Hakihiiwe, além do comodato MASP Landmann de cerâmicas e metais pré-colombianos e a grande coletiva Histórias indígenas.
Sobre Melissa Cody | Melissa Cody é uma artista têxtil navajo/diné nascida em 1983 em No Water Mesa, Nação Navajo, no Arizona, Estados Unidos. Atualmente vive e trabalha em Long Beach, Califórnia. O trabalho da artista integrou exposições coletivas em diversos museus e galerias, como Stark Museum of Art (2014, Orange, Texas); Museum of Contemporary Native Arts, Institute of American Indian Arts (2017–2018, Santa Fe); Ingham Chapman Gallery, University of New Mexico (2018, Albuquerque); Navajo Nation Museum (2018, Window Rock); SITE (2018–2019, Santa Fe); MASS Gallery (2019, Austin); Heard Museum (2019, Phoenix); Exploratorium (2019, São Francisco); Museum of Northern Arizona (2019, Flagstaff); Rebecca Camacho Presents (2019, São Francisco); National Gallery of Canada (2019–2020, Ottawa); Heard Museum (2019–2022, Phoenix); Crystal Bridges Museum of American Art (2021, Bentonville) e Barnes Foundation (2022, Philadelphia). Em 2017, a artista realizou a exposição individual ‘Future Tradition: Melissa Cody’, no Houston Center for Contemporary Craft, em Houston. Seu trabalho faz parte da coleção dos museus Minneapolis Institute of Arts e Stark Museum of Art.
Catálogo | Acompanhando a exposição, será publicado um catálogo com volumes em português e inglês com a reprodução de obras da artista e ensaios inéditos de Isabella Rjeille, Ruba Katrib, Jennifer Denetdale e Ann Lane Hedlund. O livro, com edições em capa dura, é organizado por Isabella Rjeille e tem design do Estúdio Margem.
Serviço:
Melissa Cody: Céus tramados é organizada pelo MASP e pelo MoMA PS1. A exposição tem curadoria de Isabella Rjeille, curadora, MASP e Ruba Katrib, curadora e diretora de assuntos curatoriais, MoMA PS1
1º subsolo (galeria)
20/10/2023 — 21/1/2024
MASP — Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand
Avenida Paulista, 1578 – Bela Vista – São Paulo, SP
Telefone: (11) 3149-5959
Horários: terça grátis Bradesco, das 10h às 20h (entrada até as 19h); quarta a domingo, das 10h às 18h (entrada até as 17h); fechado às segundas
Agendamento on-line obrigatório pelo link masp.org.br
Ingressos: R$60 (entrada); R$30 (meia-entrada).
(Fonte: Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand)