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O pulso de inundação no rio Solimões e a vulnerabilidade da pesca na Amazônia em meio à seca extrema

Amazônia, por Kleber Patricio

Acordo de pesca na RDS Mamirauá, Amazonas (2021). Foto: Vinicius Galvão Zanatto.

Por Vinícius Zanatto e Patrícia Rosa — Todos os anos, o volume das águas do rio Solimões aumenta e diminui durante a enchente e a seca – o que, entre pesquisadores, é conhecido como pulso de inundação. Esse movimento impulsiona todas as atividades produtivas e as relações sociais dos povos indígenas e ribeirinhos que vivem nas áreas inundáveis de várzea na Amazônia.

Na região amazônica, é a partir da sazonalidade imposta pelo ambiente que são definidos os momentos de plantar, pescar, coletar e extrair madeira. As casas são construídas em palafitas ou flutuantes para se adaptarem às constantes cheias e secas.

Na região do Médio Solimões, a pesca é uma das principais atividades econômicas e fonte alimentar para a população. O período mais propício para pescar é quando o rio está secando, e lagos e paranãs ficam represados, facilitando a captura de espécies como Tambaqui (Colossoma macropomum), Pirarucu (Arapaima gigas) e Aruanã (Osteoglossum bicirrhosum). Mas, em secas severas, como a atual, toda a cadeia produtiva sofre impacto negativo.

Apesar de a seca facilitar a pesca, a logística para o escoamento da produção é prejudicada, já que o acesso aos lagos é dificultado, exigindo o transporte dos peixes em canoas ou por terra para o armazenamento nos barcos que ficam distante das áreas. O processo implica em gastos maiores com combustível e gelo, prolongando a duração da atividade. Assim, aumentam as despesas individuais de pescadores e pescadoras, afetando diretamente seus ganhos finais.

Além disso, algumas áreas ficam isoladas, sem acesso para barcos e pescadores, levando ao cancelamento da pesca ou ao atraso na atividade. Para evitar a interrupção das atividades pesqueiras, coletivos de pescadores, pesquisadores e assessorias técnicas têm dialogado com as autoridades ambientais a fim de alterar o período de defeso do pirarucu em 2023. Se poderia, assim, minimizar perdas econômicas e mitigar os impactos sociais negativos da estiagem extrema para mais de 300 comunidades de 22 municípios do estado do Amazonas.

Os processos naturais também sofrem alterações durante períodos de estiagem prolongada ou extrema, afetando o ciclo reprodutivo de diversas espécies de peixes. Nesse período, os animais estão chocando ovos ou em estágio muito jovem, tornando-os mais vulneráveis à predação e mudanças ambientais. Recentemente, observou-se a mortandade de diversas espécies aquáticas que ficam expostas a predadores, como jacarés, que consomem grandes quantidades de peixes adultos e alevinos.

A mortalidade também é causada pela falta de oxigenação e altas temperaturas da água, o que impede os peixes de respirarem e os leva à morte. Esses fatores resultam na diminuição da população local afetando a reprodução nos anos seguintes à estiagem, o que compromete os estoques de pesqueiros e a economia local.

É interessante que o poder público se envolva na questão da mortalidade dos animais, promovendo pesquisas e monitoramentos constantes das espécies. Uma alternativa relevante seria investir no monitoramento de desembarque pesqueiro nas principais cidades da calha do rio Amazonas. Tal iniciativa auxilia na regulação do uso dos recursos naturais subsidiando com informações não só sobre a quantidade e tamanho de peixes capturados, mas também sobre o estado de conservação de diversas espécies de grande importância econômica, contribuindo, assim, na tomada de decisão e nas políticas públicas para o setor pesqueiro.

Sobre os autores:

Vinícius Zanatto é geógrafo e pesquisador no Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá (IDSM-OS/MCTI), vinculado ao grupo de pesquisa em Territorialidades e Governança Socioambiental na Amazônia.

Patrícia Rosa é Doutora em Antropologia e pesquisadora titular no Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá (IDSM-OS/MCTI), líder do grupo de pesquisa em Territorialidades e Governança Socioambiental na Amazônia.

(Fonte: Agência Bori)