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Por sobrevivência, filhotes de tartarugas optam por águas oceânicas mais profundas

Brasil, por Kleber Patricio

(a) Filhote (menos do que 24h de idade) que está no ponto de entrar na água e escolher um lado do tanque. Em cada lado do tanque, tem um fluxo de água diferente: um lado com água costeira, um lado com água oceânica. Essas águas e os filhotes foram recolhidas no dia anterior ao experimento. (b) Filhote alguns momentos antes de entrar na água do tanque e escolher um fluxo de água. Fotos: Departamento de Biologia da Sultan Qaboos University.

As fêmeas das tartarugas marinhas da espécie Caretta caretta Linnaeus costumam retornar ao local onde nasceram para desovar e, assim, dar seguimento ao seu ciclo de vida. O que elas buscam é um lugar mais seguro, longe de predadores, para o nascimento de seus filhotes. É o que evidencia estudo publicado na quinta (8), na revista Journal of Experimental Biology por pesquisadores da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e Sultan Qaboos University (Omã).

Os autores acompanharam a preferência de indivíduos recém-nascidos da espécie, com menos de 24 horas de vida, em uma série de experimentos realizados em laboratório na UFBA. Com amostras de águas recolhidas no mar, nas regiões costeiras e oceânicas, os cientistas verificaram se as condições de concentração de sedimentos, densidade e, até mesmo, se as correntes marinhas influenciavam na “memória” das tartarugas. A observação foi que, em quase 70% das escolhas, a água era oceânica e, em quase 70% do tempo, elas também nadavam nesse tipo de água.

Para se chegar a este dado, foi utilizado na pesquisa um tanque em forma de Y, com dois fluxos de água em cada braço, esvaziado na parte inferior. Um lado tinha fluxo de água costeira e o outro, de água oceânica. Esses fluxos eram invertidos para eliminar possíveis vieses de preferência de escolha.

Antoine Leduc, professor-associado do Departamento de Biologia da Sultan Qaboos University e um dos autores do estudo, aponta que as águas de região mais profundas aparentemente têm menos predadores e são mais seguras para os filhotes. Portanto, era estimado que os filhotes iriam reconhecer a água dessa região. Após crescer, eles retornam para o litoral e as fêmeas conseguem depositar os ovos exatamente onde nasceram.

Essa pressão evolutiva em torno da predação levou à capacidade de diferenciação dessas águas e à preferência dos filhotes (recém-nascidos) pelas regiões mais afastadas da costa. Além de hipóteses anteriormente já testadas, como a influência do campo magnético terrestre e até mesmo do cheiro das praias de nascimento, os experimentos buscaram entender se as características físico-químicas das águas também participam no senso de localização das tartarugas marinhas.

“Questões como a carga de sedimentos também nos deixam pistas de como a espécie consegue diferenciar os tipos de água. Por exemplo, outros autores já testaram amostras de manguezais, o que demonstrou que características como o cheiro desse ambiente também foi um indicativo de que as tartarugas podem detectar. Nosso experimento agora sugere que os filhotes de tartarugas buscam a direção oposta a esse cheiro, rumo ao oceano”, comenta Leduc.

“As tartarugas-marinhas são animais com características fundamentais de importância ecológica para o ecossistema marinho. As cinco espécies presentes na costa brasileira têm diferentes hábitos alimentares e, por isso, fazem a regulação de teias tróficas, mantendo o equilíbrio do ambiente oceânico”, comenta o pesquisador Gabriel Soeiro, da Universidade Federal da Bahia (UFBA), também coautor do estudo. Essas espécies têm sido bastante ameaçadas por conta do impacto humano, como a pesca predatória, descarte de lixo nos oceanos, segundo o pesquisador, o que faz com que entender aspectos ecológicos de preferência por ambientes seja importante. “A partir deste conhecimento, podemos auxiliar na tomada de decisões corretas para evitar ações nocivas ao ecossistema marinho e seus habitantes naturais”.

Compreender os mecanismos de distinção de massas de água e o senso de localização dos animais da nossa biodiversidade marinha abre portas para mais estudos que investiguem outros mecanismos sensoriais e o impacto dos ecossistemas no ciclo de vida de espécies como as observadas no estudo. Não é ainda sabido como a poluição química dos oceanos pode interferir neste mecanismo de reconhecimento olfativo.

(Fonte: Agência Bori)