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Osesp lança novo álbum da série “A Música do Brasil – Choros nº 2”, de Camargo Guarnieri

São Paulo, por Kleber Patricio

Fotos: Mariana Garcia.

A Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo – Osesp acaba de lançar mais um álbum da série “A Música do Brasil”, que faz parte do projeto “Brasil em Concerto”, uma realização do selo Naxos Brasil com o Departamento de Difusão Cultural do Ministério das Relações Exteriores.

O álbum “Choros nº 2/Flor de Tremembé” é o segundo volume da primeira gravação integral dos Choros do compositor paulista Mozart Camargo Guarnieri e reúne as peças da série escritas para clarinete, viola, violoncelo e piano. Como bônus, o álbum inclui “Flor de Tremembé”, composta nos anos 1940 para 15 solistas e percussão. Gravado na Sala São Paulo em 2019, o trabalho apresenta a Osesp regida por Roberto Tibiriçá e com participação dos solistas Ovanir Buosi (clarinete), Horácio Schaefer (viola) e Olga Kopylova (piano), integrantes da Orquestra, e de Matias de Oliveira Pinto (violoncelo), especialmente convidado para o projeto.

A seleção de obras oferece um rico panorama da criação de Camargo Guarnieri, que nasceu em Tietê, no interior de São Paulo, em 1907, e morreu na capital paulista em 1993, marcando seu nome como um dos mais influentes músicos brasileiros do século XX. O álbum “Choros nº 2/Flor de Tremembé pode ser encontrado em edição física na Loja Clássicos, que está localizada dentro da Sala São Paulo, e em edição digital disponível nas mais diversas plataformas de streaming.

Sobre a Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo – Osesp | Criada em 1954, é uma das mais importantes orquestras da América Latina e desde 1999 tem a Sala São Paulo como sede. O suíço Thierry Fischer é seu diretor musical e regente titular desde 2020, tendo sido precedido, de 2012 a 2019, pela norte-americana Marin Alsop, que agora é regente de honra. Em 2016, a Osesp esteve nos principais festivais da Europa e, em 2019, realizou turnê pela China. No mesmo ano, estreou projeto em parceria com o Carnegie Hall, com a Nona Sinfonia de Beethoven cantada ineditamente em português. Em 2018, a gravação das Sinfonias de Villa-Lobos, regidas por Isaac Karabtchevsky, recebeu o Grande Prêmio da Revista Concerto e o Prêmio da Música Brasileira.

Sobre a série A Música do Brasil | A série “A Música do Brasil” faz parte do projeto “Brasil em Concerto”, desenvolvido pelo Ministério das Relações Exteriores com o intuito de promover a música de compositores brasileiros criada a partir do século XVIII. Cerca de 100 trabalhos orquestrais dos séculos XIX e XX serão gravados pela Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo – Osesp e as Filarmônicas de Minas Gerais e de Goiás. Álbuns de música coral e de câmara serão gradualmente adicionados à coleção. Os trabalhos foram selecionados de acordo com sua importância histórica para a música brasileira e a pré-existência de gravações. A maior parte das obras registradas para a série nunca esteve disponível em fonogramas fora do Brasil; muitas outras terão sua estreia mundial em álbuns. Uma parte importante do projeto é a preparação de novas ou primeiras edições dos trabalhos que serão gravados, muitos dos quais, apesar de sua relevância, só estavam disponíveis no manuscrito do compositor. Este trabalho é feito pela Academia Brasileira de Música e por musicólogos trabalhando em parceria com as orquestras.

[Texto de Paulo de Tarso Salles presente no encarte do álbum]

Camargo Guarnieri (1907-1993)

Choros • 2

Este é o segundo volume da primeira gravação integral dos Choros de Mozart Camargo Guarnieri (1907-1993), com o “Choro para Clarinete e Orquestra” (1956), o “Choro para Viola e Orquestra” (1975), o “Choro para Violoncelo e Orquestra” (1961) e o “Choro para Piano e Orquestra” (1956).

Como o compositor explicou diversas vezes, o termo “choro” não evoca diretamente o gênero de música instrumental popular, surgido no Brasil e consolidado no final do século XIX. Guarnieri pretendeu que esse termo fosse uma espécie de expressão brasileira do gênero “concerto”, provavelmente referindo-se ao diálogo entre solista e orquestra em uma ambientação musical que, muitas vezes, sugere a paisagem sonora dos sertões, dos cerrados, das festas e folguedos que caracterizam o sentimento de “brasilidade”.

Os quatro Choros têm características formais em comum: todos são divididos em três movimentos – ou em três partes, como o “Choro para Clarinete”, estruturado em um único movimento tripartido. Grosso modo, os primeiros movimentos são mais “racionais”, com grande densidade cromática e ênfase no desenvolvimento motívico, onde as melodias germinam a partir de uma pequena célula musical, burilada em diversas cores e combinações instrumentais – essa, aliás, é uma das características de Guarnieri mais apreciadas por Mário de Andrade, seu mentor desde 1928, amizade e orientações iniciadas alguns anos depois que o então jovem músico veio morar em São Paulo (em 1923), deixando para trás sua cidade natal, Tietê.

Os segundos movimentos são introspectivos e sentimentais, batizados com expressões características como “calmo e triste” ou simplesmente “calmo” ou “lento e nostálgico” ou, ainda, “nostálgico”. Como os títulos deixam entrever, a delicadeza e nostalgia que emanam dessas peças lentas evocam estados de espírito que se manifestam especialmente quando ficamos algum tempo longe de casa, de nosso lugar no mundo. Talvez por isso, a estrutura psicológica dos choros de Guarnieri reserva uma grande “festa” para o movimento final, como se representasse um reencontro imaginário entre o artista e os sentimentos mais profundos de sua nacionalidade; os finales de Guarnieri invariavelmente evocam a gestualidade da dança, do baião, do maracatu, da embolada, pontuada pela marcação calorosa da percussão e mudanças métricas que dão aos intérpretes espaço para mostrar uma alegria que transcende as imensas dificuldades técnicas presentes nessas partituras.

Quanto ao estilo de cada um desses choros, pode-se dizer que as peças em que solam o clarinete, o piano e o violoncelo guardam alguns elementos em comum, notadamente com relação a sua estrutura harmônica e formal. São obras que a célebre pianista e uma das principais intérpretes guarnierianas, Laís de Souza Brasil (em um estudo sobre as obras para piano e orquestra organizado pelo musicólogo Flavio Silva no opulento volume “Camargo Guarnieri: o Tempo e a Música”, 2001), classificou como pertencentes ao “segundo estágio” criativo de Guarnieri, um período de maturidade iniciado em 1946, em que o compositor visitou todos os gêneros musicais, dominou a orquestra, expandiu sua técnica e firmou sua personalidade. Nessas obras vemos o convívio entre harmonias quartais e triádicas, que se esparramam em uma escrita contrapontística sempre elegante e inventiva. Em contraposição, o “Choro para Viola e Orquestra” se insere no universo entrevisto no “terceiro estágio” criativo iniciado pela “Seresta para Piano e Orquestra” (1965) e no “Choro para Flauta e Orquestra de Câmara” (1972), ambos registrados no primeiro volume desta coleção; nessa época, o compositor atinge uma expressão mais sublimada, deixando o fluxo de suas ideias ir além das convenções tonais – às vezes até com alusão ao método dodecafônico.

A outra pérola desse álbum, a saborosa “Flor de Tremembé” (1937), foi uma peça dedicada à segunda esposa de Guarnieri, Anita Queiroz de Almeida e Silva, nascida em Tremembé, na região do Vale do Paraíba, interior do estado de São Paulo. Essa obra tem muitas características encontradas no choro popular tradicional; seu tema inicial em Mi menor, tocado pelo fagote com apoio de reco-reco e chocalho, evoca a um só tempo duas obras icônicas do grande Villa-Lobos: a harmonia inicial do singelo “Choros nº 1 para violão e o solo de contrafagote com marcação rítmica de caracaxá”, que abre o grandioso “Choros nº 8”. A partitura de “Flor de Tremembé” consiste em um conjunto inusitado de 15 instrumentos solistas: flauta, clarinete, fagote, sax barítono, trompa, trompete, trombone, cavaquinho, harpa, piano, violino I, violino II, viola, violoncelo e piano; a percussão inclui quatro instrumentos: chocalho, reco-reco, agogô e cuíca. Essa peça pertence ao “primeiro estágio” criativo de Guarnieri, e foi escrita um pouco antes de sua primeira viagem a Paris em 1938.

Paulo de Tarso Salles

Professor de Teoria Musical na USP, Coordenador do Simpósio Villa-Lobos (USP) e editor da Revista Música (USP). Autor de “Aberturas e Impasses: o Pós-Moderno na Música e seus Reflexos no Brasil – 1970-1980” (ed. Unesp, 2005), “Villa-Lobos: Processos Composicionais” (ed. Unicamp, 2009) e “Os Quartetos de Cordas de Villa-Lobos: Forma e Função” (Edusp, 2018).

A Osesp e a Sala São Paulo são equipamentos do Governo do Estado de São Paulo, por intermédio da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo, gerenciadas pela Fundação Osesp, Organização Social da Cultura.

(Fonte: Fundação Osesp)