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Ópera ‘La Serva Padrona’ chega ao mundo virtual em nova linguagem musical e visual

Campinas, por Kleber Patricio

Fotos: divulgação.

Ópera sempre sugere um espetáculo grandioso num palco, com orquestra, cantores, cenários e iluminação. Mas com a pandemia, que obrigou o distanciamento social, os artistas tiveram que se reinventar. Foi o que fez o coletivo Ocupação Lírica de Teatro Itinerante que, proibido de circular pelo Estado, encarou o desafio de adaptar seu projeto ao formato digital com a gravação para as plataformas virtuais da ópera cômica La Serva Padrona, de J. B. Pergolesi. A montagem estreia no sábado, 24 de abril, no Youtube da companhia e segue em temporada até 30 de abril, sempre às 20h, com acesso gratuito.

O diretor artístico da companhia, Felipe Venâncio, responsável pela nova concepção, conta que redesenhou a ópera para a nova versão. “A ideia era gravar tudo no palco, com cenário mais reduzido para facilitar a circulação. Mas, com o avanço dos casos de Covid-19, achamos arriscado juntar numa sala os músicos, regente, cantores e diretor e então redesenhei a ópera. A proposta é a mesma, mas mudou o jeito de fazer e a cenografia virou digital”, informa. “E como o cenário é bem específico, de rococó barroco, a montagem acabou se transformando num desenho animado com pessoas reais”. Nesse processo, além do rococó barroco e da Commedia dell’arte, a adaptação introduziu referências de filmes de animação como Roger Rabbit, Pipa-Pau, desenhos como Looney Tunes e até jogos de videogame, como Street Fighter.

“Sentimos a necessidade de flertar com novas linguagens, musicais, teatrais e mídias. Além de ressignificar o repertório antigo tradicional operístico e de experimentar coisas novas de compositores contemporâneos”, afirma Venâncio. A gravação foi feita com fundo e móveis cobertos de verde para permitir depois a interferência gráfica da designer de animação.

A montagem mistura a música barroca do século 18 com a Commedia Dell’arte por meio das visualidades e da interpretação. “Pretendemos, dessa maneira, revisitar os aspectos populares dessa arte nomeada como erudita”, diz o diretor. O espetáculo traz a ópera completa em idioma original, instrumentação reduzida e com tradução em libras em todas as apresentações.

La Serva Padrona conta a história de um rico solteirão e uma empregada que sonha em se tornar patroa e trama para se casar com o patrão. Escrita por Giovanni Battista Pergolesi em 1733, a ópera bufa faz uma inversão irônica de valores ao apresentar um patrão, Uberto, que é oprimido pela sua criada Serpina a tal ponto que pensa em arranjar uma esposa para se livrar dela. Serpina, então, convence o outro criado, Vespone, a dar um golpe no patrão para ela se tornar a patroa de fato. A trama mostra a esperteza das pessoas do povo triunfando sobre a avareza da burguesia, em uma divertida sátira social.

Venâncio conta que este espetáculo havia sido montado em 2019 com a Orquestra Sinfônica de Indaiatuba, os cantores do Ópera Estúdio Unicamp (OEU) e ele como diretor convidado. Esta nova versão remota foi gravada com equipe reduzida, em separado com cada integrante, apenas com a presença do diretor, e editada durante o isolamento social. “Aproveitamos para acrescentar novas referências e buscar uma linguagem que se situasse mais como ópera digital, teatro digital ou videoteatro”, explica Venâncio. O acompanhamento musical é feito por um quarteto de cordas e um cravista. A produção foi contemplada pelo Programa de Ação Cultural (ProAC) do governo do Estado, com recursos da Lei Aldir Blanc.

Segundo Venâncio, a proposta da Ocupação Lírica é fomentar a cultura local, formar público, estimular e colaborar com a formação de jovens cantores/atores e apresentar a produção do interior paulista. Ele cita que esse gênero de espetáculo ainda é pouco difundido fora dos grandes centros.

O coletivo | A Ocupação Lírica de Teatro Itinerante é composta por Leandro Cavini, Lara Ramos, Presto Kowask e Felipe Venâncio. Os dois primeiros formados em Música e os dois últimos, em Artes Cênicas pela Unicamp. Os quatro já haviam trabalhado juntos em outros espetáculos como parte do Ópera Estúdio Unicamp e, após a apresentação da segunda temporada de Gianni Schicchi, de Puccini, em 2019, resolveram formar a Ocupação. As principais expectativas eram a possibilidade de pesquisar novas linguagens e abordagens dentro do gênero e realizar circulações pelo interior do estado de São Paulo.

Em 2020, o grupo tinha um projeto audacioso de circulação pelo Estado de duas óperas bufas produzidas em parceria com o Ópera Estúdio Unicamp (OEU). Com o fechamento dos teatros, foi preciso buscar alternativas dentro do universo virtual. “Como nossos próprios meios de criação estavam bastante limitados, recorremos a três espetáculos que havíamos montado ainda como parte do OEU”, diz Venâncio. Primeiro, foi feita uma versão compacta, de 15 minutos, da opereta O Morcego, de Strauss, rebatizada de O Morcego na quarentena — um brinde virtual. Depois, o grupo enviou a gravação de Gianni Schicchi feita com a Orquestra Sinfônica da Unicamp, em 2019, para o festival Arte como Respiro, do Itaú Cultural. E agora, como Ocupação Lírica de Teatro Itinerante, estreia seu primeiro projeto solo, a nova roupagem de La Serva Padrona, de Pergolesi.

Curiosidades

La Serva Padrona fez muito sucesso em sua época e é considerada um dos primeiros grandes exemplos de ópera bufa (cômica). Escrita inicialmente como um intermezzo – uma peça leve para ser apresentada durante os intervalos de uma ópera mais longa e séria –, a obra logo ganhou sua independência e passou a ser apresentada de modo autônomo.

La Serva Padrona foi o estopim da Querela dos Bufões, em agosto de 1752, quando a trupe itinerante italiana de Eustachio Bambini a apresentou em Paris, na Académie Royale de Musique, futura Ópera de Paris. Ali foi travada uma guerra entre os aristocratas, que defendiam a tradição lírica francesa, e os intelectuais, que defendiam o estilo buffo italiano. A polêmica ultrapassou o terreno da música e levou a uma discussão de ideias estéticas, culturais, filosóficas e até políticas. Os aristocratas defendiam a complexidade da harmonia e ornamentação da música francesa e combatiam o que consideravam música de entretenimento, enquanto os intelectuais atacavam a retórica dos temas mitológicos que pouco diziam ao público burguês emergente e defendiam a simplicidade e naturalidade da ópera italiana. Tudo isso provocado pelo sucesso de La Serva Padrona.

FICHA TÉCNICA

Felipe Venâncio – Direção Cênica, Concepção e Gestor de Produção

Presto Kowask – Desenho e Operação de Iluminação e Gestor de Produção

Isabela Siscari – Direção Musical

Leandro Cavini – Cantor-ator

Helen Tormina – Cantora-atriz

Gabriel Pangonis – Ator

Lara Ramos – Produtora Executiva

Gabriela Madureira – Edição de Vídeo e Designer de animação

Tiago Amarante – Assessor de Mídias Sociais

Willian Donizetti – Captador e Editor de Áudio

Heitor Coelho – Assistente de Direção Cênica

Alvaro Peterlevitz – Violinista – violino I

Alfredo Rezende – Violinista – violino II

Jonas Goes – Violista

Fábio Belluco – Violoncelista

Osny Fonseca – Cravista.

Serviço:

La Serva Padrona, de Pergolesi

De 24 a 30/4, às 20h

No Youtube da companhia: https://linktr.ee/ocupacaolirica.

Acesso gratuito. Todas as apresentações terão interpretação em libras.