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Mira Schendel ganha exposição de Toquinhos na Galatea

São Paulo, por Kleber Patricio

Mira em Porto Alegre, ca. 1952.

A galeria Galatea apresenta 60 obras da série Toquinhos em exposição da artista suíça radicada no Brasil Mira Schendel. Em uma iniciativa inédita, a mostra reúne um conjunto abrangente de trabalhos dessa série que foi produzida, principalmente, entre 1972 e 1974. Com texto crítico da curadora e crítica de arte Lisette Lagnado, “Mira Schendel: Toquinhos” também é a primeira individual da expoente da arte contemporânea em solo brasileiro nos últimos cinco anos. A última apresentação exclusiva da artista ocorreu em 2018, no Museu de Arte Moderna de São Paulo, por ocasião dos 30 anos de sua morte.

Os sócios-fundadores Antonia Bergamin, Conrado Mesquita e Tomás Toledo realizam coquetel de abertura na galeria nesta quarta-feira, 28 de junho, a partir das 18h. A exposição estará aberta para visitação de sexta-feira 30 de junho a 19 de agosto.

Após ter sido presenteada pelo amigo Mario Schenberg, crítico de arte e importante físico brasileiro, com uma enorme quantidade de papel de arroz japonês, Mira criou cerca de dois mil desenhos que compõem a série Monotipias, produzida principalmente entre 1964 e 1967. Ao continuar experimentando com esse material, criou outras séries, como os Objetos Gráficos, produzidos sobretudo entre 1967 e 1973. São trabalhos compostos por folhas de papel de arroz repletas de rabiscos, traçados, rasuras, tipos datilografados e letraset inseridas entre duas placas de acrílico suspensas por fios de nylon e dispersas no espaço, longe das paredes, jogando com a luz, o dentro e o fora, a frente e o verso. Progressivamente, o desenho, a escrita cursiva e a rasura passaram por um processo de síntese no trabalho de Mira, chegando ao que o ensaísta alemão Max Bense chama de “reduções gráficas”. As obras da série Toquinhos apresentadas nesta exposição demonstram bem esse processo.

Mira Schendel 1919-1988, Sem título, da série Toquinhos.

“Mira Schendel: Toquinhos” apresenta trabalhos em que a artista cria camadas colando sobre o papel japonês recortes geométricos (tingidos ou não) do mesmo papel, normalmente acompanhados de sinais de pontuação e letras. Ao ser questionada, em 1975, pela jornalista Norma Couri: “Por que letras?”, Mira responde: “São o pré-texto ou o pretexto do pós-texto”. Comentando tal diálogo, o teórico Geraldo Souza Dias afirma em sua monografia sobre a artista intitulada “Mira Schendel: do espiritual à corporeidade” (2009): “A completa redução da forma a círculos e retas desenvolvida nos tipos sem serifa da fonte Futura, a preferida da artista, permite considerar a relevância ótica das letras enquanto elementos de um conjunto. Nos trabalhos de Mira, o significado original dos sinais caligráficos – letras e números – transforma-se pela ação da letra autocolante, assumindo um caráter novo, puramente plástico”.

Sobre Mira Schendel (1919–1988)

Myrrha Dagmar Dub nasceu em Zurique, Suíça, em 1919, e cresceu na Itália. Entre 1930 e 1936, fez alguns cursos de arte em uma escola livre e, segundo ela mesma, desenhava compulsivamente nesse período. Em 1937, ingressa na Università Cattolica del Sacro Cuore, em Milão, para estudar Filosofia. Com o acirramento do fascismo e do antissemitismo pelo início da Segunda Guerra Mundial (1939–1945), é obrigada a abandonar os estudos de filosofia devido a um decreto-lei que proibia a inscrição de judeus estrangeiros nas escolas superiores; assim, em 1939, aos 20 anos, deixa a Itália.

Desloca-se continuamente pela Europa em um período pouco documentado de sua história, passando por países como Bulgária, Hungria, Viena, Croácia, Eslovênia. Após o armistício, em 1944, passa a viver em Roma com o seu então marido croata Jossip Hargesheimer, onde trabalhou na Organização Internacional para Refugiados, que orientava a emigração dos chamados “deslocados de guerra” [displaced persons] para países das Américas. Com isso, Schendel e Jossip partem, em julho de 1949, de Nápoles rumo a Porto Alegre. Na cidade, dedica-se aos estudos artísticos, trabalhando em desenhos, esculturas, cerâmicas, e frequenta a escola de Belas Artes. Nessa época, também aprende técnicas gráficas no Senai, vindo a trabalhar em uma tipografia e em outras empresas do ramo. Passa a se dedicar como nunca à pintura a partir de 1950, prática que, segundo a artista, a ela se impôs como uma questão de vida ou morte. Nessa fase, é notável a influência de Giorgio Morandi sobre os temas e as paletas de suas telas, como as naturezas-mortas e os tons terrosos.

Mira Schendel, Sem título, da série Toquinhos.

Sua participação na 1ª Bienal Internacional de São Paulo, em 1951, permite contatos internacionais e a sua inserção na cena artística da época. Dois anos depois, em 1953, muda-se para São Paulo e adota o sobrenome Schendel. Nos primeiros anos na cidade, Mira se aproxima do círculo de pensadores que logo se tornariam seus amigos e primeiros críticos – entre eles, Mário Schenberg, Haroldo de Campos, Theon Spanudis e Vilém Flusser. Em 1955, ela participa com suas pinturas da 3ª Bienal de São Paulo ao lado de Lygia Clark e Alfredo Volpi, já tendo feito sua primeira exposição individual a convite do Museu de Arte Moderna de São Paulo.

Continua a desenvolver, no início da década de 1960, o seu trabalho em pintura, que foi se inclinando para investigações mais abstratas e menos figurativas em relação àquelas da década de 1950. Ao ser presenteada com infinidades de papel de arroz japonês, mergulha em uma série de experimentações com o material e dá vazão a interesses que tomam grande espaço em sua pesquisa artística, tais como a expressão do vazio, a experiência do tempo, o estar no mundo e os mistérios da transparência. Toda essa investigação arrebata Mira de uma forma que a leva a pintar cada vez menos. Assim, a partir de 1964, cria a série Monotipias, em que desenhava de forma peculiar sobre o papel de arroz – ou, como diz o crítico Rodrigo Naves, “pelas costas”. Em 1966, nasce a série Droguinhas, elaborada com papel de arroz retorcido e trançado.

Em 1967, começa a produzir obras utilizando o acrílico como suporte, como nas séries Objetos Gráficos e Toquinhos. Também nesse período passa a introduzir no seu trabalho os decalques de letraset, que ganham proeminência diante da caligrafia explorada até então. Em 1969, apresenta a instalação “Ondas palavras de probabilidade” na 10ª Bienal de São Paulo – a obra constitui-se de fios de nylon pendentes do teto até o chão acompanhados de trecho do texto bíblico do Livro dos Reis impresso em placa de acrílico presa à parede. Segundo a artista, a obra trata-se de uma “tentativa de mostrar que o ‘lado atrás’ da transparência está na sua frente e que o ‘outro mundo’ é este”. Ao longo da década de 1970, segue as suas investigações acerca do processo de “transparentização” do mundo e da temporalidade. Em 1974, criou a série Datiloscritos, em que “desenhava” (datilografava) letras, sinais, palavras e sentenças com uma máquina de escrever de cilindro grande.

Artwork.

Na década de 1980, recupera vigorosamente seu interesse pela pintura. Produz as têmperas brancas e negras, os Sarrafos e inicia uma série de quadros com pó de tijolo. Após sua morte, instituições nacionais e internacionais lhe dedicaram mostras individuais e retrospectivas, difundindo sua obra dentro e fora do Brasil. Em 1994, a 22ª Bienal Internacional de São Paulo lhe dedicou uma sala especial. Em 2007, suas obras participaram da Documenta 12, em Kassel, na Alemanha. Entre as individuais realizadas desde então, destacam-se Mira Schendel, Jeu de Paume, Paris, 2001; Tangled Alphabets: León Ferrari and Mira Schendel, Museum of Modern Art – MoMA, New York, 2008 / Museo Nacional Centro de Arte Reina Sofia, Madrid, 2010 / Fundação Iberê Camargo, Porto Alegre, 2010; Mira Schendel: avesso do avesso, Instituto de Arte Contemporânea, São Paulo, 2010; Mira Schendel – pintora, Instituto Moreira Salles, Rio de Janeiro, 2011; Mira Schendel, Tate Modern, London, 2013 / Fundação de Serralves, Porto, 2014 / Pinacoteca de São Paulo, São Paulo, 2014; Mira Schendel – Poesie in Letraset, Neues Museum Nürnberg, Nuremberg, 2014, e Mira Schendel: sinais/signals, Museu de Arte Moderna de São Paulo, São Paulo, 2018.

Sobre a Galatea

A Galatea é uma galeria que surge a partir das diferentes e complementares trajetórias e vivências de seus sócios-fundadores: Antonia Bergamin esteve à frente por quase uma década como sócia-diretora de uma galeria de grande porte em São Paulo; Conrado Mesquita é marchand e colecionador, especializado em descobrir grandes obras em lugares improváveis; e Tomás Toledo é curador e contribuiu ativamente para a histórica renovação institucional do MASP, de onde saiu recentemente como curador-chefe.

Tendo a arte brasileira moderna e contemporânea como foco principal, a Galatea trabalha e comercializa tanto nomes já consagrados do cenário artístico nacional quanto novos talentos da arte contemporânea, além de promover o resgate de artistas históricos. Tal amplitude temporal reflete e articula os pilares conceituais do programa da galeria: ser um ponto de fomento e convergência entre culturas, temporalidades, estilos e gêneros distintos, gerando uma rica fricção entre o antigo e o novo, o canônico e o não canônico, o erudito e o informal.

Mira Schendel, Sem título, da série Toquinhos.

Além dessas conexões propostas, a galeria também aposta na relação entre artistas, colecionadores, instituições e galeristas. De um lado, o cuidado no processo de pesquisa, o respeito ao tempo criativo e o incentivo do desenvolvimento profissional do artista com acompanhamento curatorial. Do outro, a escuta e a transparência constante nas relações comerciais. Ao estreitar laços, com um olhar sensível ao que é importante para cada um, Galatea enaltece as relações que se criam em torno da arte — porque acredita que fazer isso também é enaltecer a arte em si.

Nesse sentido, partindo da ideia de relação é que surge o nome da galeria, tomado emprestado do mito grego de Pigmaleão e Galatea. Este mito narra a história do artista Pigmaleão, que ao esculpir em marfim Galatea, uma figura feminina, apaixona-se por sua própria obra e passa a adorá-la. A deusa Afrodite, comovida por tal devoção, transforma a estátua em uma mulher de carne e osso para que criador e criatura possam, enfim, viver uma relação verdadeira.

Serviço:

Mira Schendel: Toquinhos

Local: Galatea

Endereço: Rua Oscar Freire, 379, loja 1 – Jardins, São Paulo – SP

Abertura: 28 de junho, quarta-feira, às 18h

Período expositivo: 30 de junho a 19 de agosto de 2023

Funcionamento: segunda a sexta-feira, das 10h às 19h; sábados, das 11 às 15h

Mais informações: https://www.galatea.art/

Estacionamento no local.

(Fonte: A4&Holofote Comunicação)