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“Chego até a janela e não vejo o mundo” leva ao palco o encontro de Graciliano Ramos e Nise da Silveira na prisão

São Paulo, por Kleber Patricio

Chego até a janela e não vejo o mundo. Fotos: Giorgio D’Onofrio.

O encontro da psiquiatra Nise da Silveira (1905–1999) e do escritor Graciliano Ramos (1892–1953) na prisão em 1936, durante a Era Vargas, é tema da peça “Chego até a janela e não vejo o mundo”. Os dois alagoanos, que até então não se conheciam, iniciam uma amizade que extrapola o cárcere e seria levada até a morte do escritor, anos depois. O espetáculo tem direção e dramaturgia de Gabriela Mellão e João Wady Cury e é protagonizado por Simone Iliescu e Erom Cordeiro. A estreia acontece no Itaú Cultural em 28 de março e a temporada segue até 14 de abril, de quinta-feira a sábado, às 20h, e, aos domingos e feriados, às 19h. As sessões são gratuitas.

A obra parte da história real – o encontro entre esses dois personagens maiores da história brasileira – e segue o caminho da ficção. “Para contar essa história vivida por Nise e Graciliano, abordar o horror da perseguição política e a beleza da amizade nascida entre grades, nos interessava a cumplicidade criada no claustro entre eles sem abrir mão de uma narrativa onírica e poética de um lado e também aterrorizante e delirante do outro. Sem esse abstrato, não há como retratar o que eles passaram na prisão”, conta Gabriela Mellão.

Quando foram presos, os dois estavam em momentos diferentes da carreira. Graciliano já tinha publicado ‘Caetés’ (1933) e ‘São Bernardo’ (1934), além de ter sido prefeito de Palmeira dos Índios e diretor da Instrução Pública de Alagoas, cargo equivalente a Secretário Estadual da Educação. Já Nise da Silveira trabalhava no Serviço de Assistência a Psicopatas e Profilaxia Mental do Hospício Nacional de Alienados, no Rio de Janeiro, após ter concluído uma especialização em psiquiatria.

A maneira com que Nise e Graciliano se relacionam evidencia o modo como eles viam a vida. São duas personalidades muito diferentes que compartilham o interesse pelas questões humanas e voltam suas atenções aos que estão à margem do sistema. A experiência da prisão, uma imersão neste universo, reafirma o caminho escolhido por eles, ao mesmo tempo em que ressalta a importância do afeto para o homem em circunstâncias adversas.

O encarceramento gerou impactos diferentes em cada um. “Graciliano publicou livros logo ao sair da prisão, filiou-se ao Partido Comunista, foi candidato a deputado e relatou sua experiência em ‘Memórias do Cárcere’, publicado postumamente. Ao contrário dele, depois de liberada, Nise passou oito anos escondida no interior da Bahia por medo de ser presa novamente. Só retomou sua carreira em 1944, quando a perseguição política do Estado Novo foi amenizada”, acrescenta o diretor e dramaturgo.

Nesse cenário, “Chego até a janela e não vejo o mundo” é um elogio à liberdade que busca retratar de uma maneira simbólica o horror da Era Vargas e da perseguição política. As pesquisas realizadas para o espetáculo apontam que nem o escritor, nem a psiquiatra foram torturados. No entanto, o simples fato de estarem em um ambiente violento foi suficiente para marcar definitivamente as vidas dos dois alagoanos – e o texto evoca isso.

Sobre a encenação

Foi durante o isolamento social vivido por João Wady Cury e Gabriela Mellão na pandemia de Covid-19 que nasceu a peça. A estratégia adotada pela dupla para mergulhar o máximo possível na psiquê desses personagens envolveu uma constante troca de correspondências entre os dois dramaturgos, Mellão como Nise e Cury como Graciliano Ramos. A partir daí, começaram a elaborar a dramaturgia.

Simone Iliescu e Erom Cordeiro dão vida a essas figuras icônicas. Já o clima que transita entre o afetuoso e o aterrorizante é criado por meio da iluminação de Aline Santini, do cenário de Camila Schmidt e da trilha sonora original de Federico Puppi.

GRACILIANO | Eu escrevo. Somente escrevo. Escrevo o que vejo, não invento coisas que não existem porque o mais importante é retratar a realidade como ela é para que as pessoas que não vivem esta realidade saibam como é. O mundo das minhas histórias é o mundo que eu vejo e que vivo. É por isso que escrevo. Para as pessoas. Como você. Fazemos pelo outro, por quem precisa, por quem merece.

NISE | Você acha que eu compreendo as pessoas que estão doentes, que são pobres e que sofrem por estar aqui? Eu me identifico com elas, me sinto uma delas.

GRACILIANO | Há frases que tomam todas as horas do dia, até que fiquem como eu espero. Não faço planos, sigo, somente sigo. (..) As crises passam, tão certo como a vida passa. Então por que diabos prende indivíduos como eu, para quê?

NISE | Ser livre é ter espaço interno para poder ser o que se é? Eu sei quem sou? Em nome do que eu me corrompo? Em nome de desejos? (…) Ter de seguir as normas sociais, as leis e as imposições? De quais condutas estou me referindo, as do sistema, as dos poderosos, do meu ego, do meu inconsciente? Trechos da dramaturgia “Chego até a janela e não vejo o mundo”

Sobre Graciliano Ramos

Primogênito de 16 irmãos, Graciliano Ramos nasceu dia 27 de outubro de 1892 em Quebrangulo (AL). Casou-se aos 23 anos com Maria Augusta de Barros, com quem teve quatro filhos: Márcio, Júnio, Múcio e Maria Augusta, que recebe o nome de sua mãe, falecida no parto. Em 1928, casa-se com Heloisa Leite de Medeiro, em 20 de março de 1953, com quem também tem quatro filhos.

Na vida profissional, além de ser um romancista, contista e cronista notável, o autor de “Vidas Secas” e “Memórias do Cárcere”, entre outras obras-primas da literatura brasileira, foi jornalista, tradutor e teve uma série de cargos públicos, incluindo o de Inspetor Federal de Ensino Secundário do Rio de Janeiro.

Sobre Nise da Silveira

Nise da Silveira nasceu em 15 de fevereiro de 1905, em Maceió (AL). Entre 1921 e 1926, foi a única mulher dentre os 157 alunos da turma na Faculdade de Medicina na Bahia. Especializando-se em Psiquiatria, a médica lutou contra as formas agressivas de tratamento existentes na época, como internação, eletrochoques e lobotomia.

Nise foi responsável por introduzir a arte no cuidado com os pacientes do Centro Psiquiátrico Pedro II. Quem frequentava a Seção de Terapêutica Ocupacional e Reabilitação (STOR) da instituição era convidado a se expressar artisticamente. Todos tinham acesso a ateliês de desenho e pintura, aulas de esportes variados, além de oficinas de teatro, marcenaria e sapataria.

Em 1952, funda o Museu de Imagens do Inconsciente, um Centro de Estudo e de Pesquisa ainda em atividade que reúne as obras de atividades produzidas nos ateliês. Parte do trabalho é exibido no II Congresso Internacional de Psiquiatria, em Zurique, em 1957, a convite de C. G. Jung.

O interesse do fundador da psicologia analítica e da psiquiatra brasileira pela expressividade do inconsciente em pinturas e desenhos sob a forma de mandalas aproxima-os. Além de se corresponderem, Nise viaja algumas vezes à Suíça para visitar e estudar no Instituto C. G. Jung em Zurique. Em 1955 ela forma o Grupo de Estudos C. G. Jung no Brasil.

Sobre o encontro

Nise e Graciliano estiveram presos praticamente no mesmo período, entre os anos de 1936 e 1937. Foram apresentados por um amigo comum, justamente por serem alagoanos, em uma situação curiosa narrada em Memórias do Cárcere, quando precisaram se encarapitar para se ver. A partir daquele momento, iniciou-se uma profícua amizade baseada na cumplicidade das grades.

Nos poucos momentos em que puderam se encontrar, fosse nos banhos de sol ou mesmo na enfermaria da prisão, passaram a conversar sobre assuntos de interesse comum — é importante lembrar que homens e mulheres ficavam em alas separadas, apesar de muitas vezes contíguas. Graciliano e Nise, além de terem em comum o Estado de Alagoas, comungavam do interesse no ser humano.

Sinopse | Graciliano Ramos e Nise da Silveira são presos durante a ditadura Vargas. Nesta situação de restrição absoluta, acabam se conhecendo e nasce uma amizade que se estende até o final da vida entre o escritor, um dos mais importantes do país, autor de Vidas Secas e São Bernardo, e a psiquiatra que revolucionou o tratamento psiquiátrico no Brasil com a inserção da arte na vida dos internos em manicômios. São duas personalidades muito diferentes que têm em comum o afeto, a compreensão de suas condições e o tamanho do mundo.

Ficha Técnica

Texto e direção: Gabriela Mellão e João Wady Cury

Atuação: Simone Iliescu e Erom Cordeiro

Cenografia: Camila Schmidt

Desenho de luz: Aline Santini

Assistente de iluminação: Gabriela Ciancio

Trilha sonora original: Federico Puppi

Operador de som: May Manão e Lucas Bressanin

Figurinista: Dani Tereza Arruda

Preparador físico e coreógrafo: Reinaldo Soares

Fotografia: Giorgio D’Onofrio

Designer gráfico: Ana Fortes

Produção: Corpo Rastreado – Letícia Alves

Assessoria de Imprensa: Canal Aberto – Márcia Marques.

Serviço:

Chego Até a Janela e Não Vejo o Mundo

Temporada: 28 de março a 14 de abril – de quinta-feira a sábado, às 20h, e, domingos e feriados, às 19h

Na Sala Itaú Cultural (Piso Térreo)

Duração: 70 minutos aproximadamente

Capacidade: 224 lugares

Classificação Indicativa: 16 anos (temas sensíveis, prisão, tortura)

Entrada gratuita. Reservas de ingressos pela plataforma INTI – acesso pelo site do Itaú Cultural www.itaucultural.org.br.

(Fonte: Canal Aberto Assessoria de Imprensa)